Aliados avaliam que a rejeição frontal ao Marco Legal pode desgastar o Planalto, fortalecer narrativas da oposição e comprometer negociações decisivas no Congresso
A recente movimentação do governo federal para lidar com o chamado Marco Legal de Combate ao Crime Organizado provocou um ponto de tensão entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e parte de sua base política. Interlocutores próximos ao Planalto avaliam que Lula pode ter se precipitado ao tentar aplicar à área de segurança pública a mesma lógica adotada na polêmica PEC da Blindagem — estratégia que funcionou em um cenário, mas que pode se mostrar contraproducente em outro.
Na ocasião da PEC, Lula orientou o PT a rejeitar o texto por entender que a proposta era impopular e contrária ao sentimento da maioria dos brasileiros. A postura acabou prevalecendo: o Senado engavetou a medida antes mesmo de ela ser apreciada em plenário. No governo, o episódio foi visto como uma vitória tática — a oposição não avançou e o desgaste político foi mínimo.
Agora, no entanto, o contexto é outro. Lula se contrariou ao ver o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), entregar a relatoria da Lei Antifacção a um opositor e passar a criticar publicamente o projeto construído pelo próprio Legislativo. O presidente cogita repetir a ofensiva política que usou na PEC da Blindagem, mas aliados avaliam que o risco pode ser maior do que o retorno.
Isso porque, ao contrário da PEC engavetada pelos senadores, o chamado PL Antifacção — rebatizado como Marco Legal de Combate ao Crime Organizado — tem potencial de receber apoio popular expressivo. O endurecimento das punições contra facções criminosas dialoga diretamente com uma das maiores preocupações do país: a segurança pública. E, diferentemente do que ocorreu no caso anterior, o Senado não deve arquivar o texto. A previsão é que haja mudanças, sim, mas com aprovação garantida.
Um projeto com falhas, mas politicamente sensível
Mesmo quem acompanha o governo reconhece que o texto aprovado na Câmara apresenta pontos problemáticos. Entre os principais erros, está a tentativa de retirar recursos da Polícia Federal, a criação de dispositivos que se sobrepõem à legislação atual — o que pode abrir brechas jurídicas usadas pela defesa de criminosos — e um conjunto de regras adicionais para o perdimento de bens, tornando o processo mais lento e menos eficaz.
Apesar disso, aliados de Lula lembram que o governo obteve vitórias relevantes durante a tramitação. Conseguiu barrar iniciativas do relator Guilherme Derrite (PP-SP) que diminuíam o poder da PF e impediu alterações na Lei Antiterrorismo. Havia espaço, segundo governistas, para destacar esses avanços públicos, adotando uma postura equilibrada: apoiar os pontos positivos e atuar para corrigir o que chamou de “erros grosseiros”.
A avaliação interna é que o governo corre o risco de ser enquadrado pelo Centrão e pelo PL como contrário ao endurecimento penal, discurso difícil de combater num país onde a criminalidade figura entre os maiores medos da população.
“Talvez desse mais resultado aprovar a lei, como planejou inicialmente o PT, mas criticar os pontos que deseja retirar ou aperfeiçoar”, admite um aliado direto do presidente, que teme uma narrativa desfavorável nas redes e no plenário.
Risco de desgaste na relação com a Câmara
A tensão entre Lula e Hugo Motta ocorre em um momento delicado para o governo na Câmara. A ministra Gleisi Hoffmann vinha conduzindo, ao lado de Motta, esforços para recompor a base aliada — um trabalho minucioso, necessário para garantir a aprovação de uma longa lista de projetos antes do recesso legislativo.
Mas o embate público pode comprometer toda essa articulação. Entre os temas sensíveis que ainda precisam avançar estão a PEC da Segurança Pública, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e o Orçamento da União de 2026. Para aprová-los, o governo depende de uma maioria que ainda está sendo costurada voto a voto.
Além disso, Hugo Motta tem deixado claro que, em pautas associadas à direita, sua posição tende a se alinhar ao Centrão e ao PL — mesmo que isso signifique contrariar o governo. A declaração é interpretada por governistas como um aviso: sem diálogo e sem respeito às diferenças internas, Lula pode enfrentar dificuldades crescentes no plenário da Câmara.
Um cenário que exige recalcular a rota
A percepção entre aliados é de que a área de segurança pública exige cautela e que, ao contrário da PEC da Blindagem, a rejeição frontal ao Marco Legal de Combate ao Crime Organizado pode isolar o governo politicamente. A oposição já trabalha para colar no Planalto a imagem de que Lula é contra medidas mais duras contra o crime — narrativa que encontra terreno fértil.
O desafio agora é reconstruir pontes, ajustar o discurso e evitar que uma disputa estratégica se transforme em crise política plena. O governo sabe que, se a tensão escalar, o prejuízo pode ser sentido não apenas na agenda da segurança, mas em toda a pauta legislativa que Lula tenta aprovar até o fim do ano.