A derrota quádrupla do bolsonarismo

Paulo Figueiredo (à esquerda) e Eduardo Bolsonaro (à direita) após reunião na Casa Branca — Foto: Reprodução/X

A decisão de Donald Trump de remover a sobretaxa de 40% sobre produtos agrícolas brasileiros representa uma imensa vitória política do presidente Lula. Além disso, foi um triunfo da diplomacia brasileira e do profissionalismo do Itamaraty.

Lula emergiu maior desse enfrentamento direto com o Calígula do Norte. Sua altivez foi um motivo de orgulho para todos os brasileiros e ficará para a história.

Simultaneamente, a medida configura uma derrota devastadora para a ala bolsonarista que apostou na afinidade ideológica com um dos presidentes mais extremistas da história americana para chantagear nossas instituições à custa do desemprego dos brasileiros e prejuízo ao setor produtivo nacional.

O fim dessas tarifas beneficia diretamente exportações de setores intensivos em emprego no Brasil, como café, carne bovina e frutas.

Ficou evidente para todos os economistas dos Estados Unidos, do Brasil e do mundo inteiro que as tarifas contra o Brasil eram simplesmente irracionais e estúpidas. Todos os argumentos apresentados por Trump para aplicá-las eram insustentáveis, não havia um sequer que se mantivesse de pé.

A reversão foi motivada por uma combinação de fatores que expuseram o fracasso da política tarifária trumpista. Os preços do café nos EUA subiram até 40% devido às tarifas, impactando diretamente o custo de vida dos americanos. A aprovação de Trump despencou para os níveis mais baixos desde seu retorno ao poder, segundo pesquisa Reuters/Ipsos.

As derrotas eleitorais do Partido Republicano, como a vitória do democrata Zohran Mamdani para prefeito de Nova York, foram atribuídas justamente à alta no custo de vida. Trump passou as últimas semanas mentindo descaradamente para o povo americano, afirmando que os preços dos produtos nos Estados Unidos vinham baixando.

A remoção das tarifas foi uma confissão, pelo próprio ato, de que elas causavam inflação, contrariando tudo o que Trump vinha dizendo.

Por isso foi doloroso ver que políticos brasileiros importantes, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, não se manifestaram contra as razões apresentadas pela Casa Branca. Mesmo que não quisesse criticar diretamente o presidente americano, Tarcísio deveria ter contestado essas justificativas.

Ao não fazê-lo, o governador paulista atrapalhou a própria economia de São Paulo e do país. Pior ainda, ofereceu a sugestão infame de que Lula deveria ir à Casa Oval entregar uma “vitória” a Trump.

A reversão, conduzida pelas negociações bilaterais do governo Lula, desmoraliza a narrativa de que a submissão a Trump traria vantagens ao Brasil.

Demonstrou-se que a defesa intransigente da nossa soberania e das nossas instituições democráticas constituem os melhores instrumentos no processo de negociação política com qualquer país, em especial uma potência imperialista comandada por um presidente tão truculento e antidemocrático como Donald Trump, que só respeita a força.

O impacto mais profundo, no entanto, é político.

Para o bolsonarismo trumpista, em especial, a queda das tarifas materializa uma derrota quádrupla.

Primeiro, expõe a atuação criminosa de figuras como o deputado Eduardo Bolsonaro, que, ao conspirar abertamente nos EUA contra o próprio país, acumulou passivos judiciais que já são alvo de inquérito no STF.

Segundo, agrava a situação de seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, cuja cumplicidade nos atos do filho piora sua imagem perante a justiça e a opinião pública.

Em terceiro lugar, a aposta em Trump alienou o bolsonarismo de setores produtivos nacionais, que arcaram com os prejuízos do tarifaço e agora veem no governo Lula a solução para os problemas criados por uma extrema-direita antinacional que eles tanto apoiaram ao longo dos últimos anos.

Por fim, a quarta derrota: toda essa confusão manchou o bolsonarismo por muitos anos com o estigma de traidor da pátria.

A propósito, a pecha de inimigos do Brasil só aumentou com a reação bolsonarista às agressões do chanceler alemão à cidade de Belém, em que todos eles defenderam Merz e atacaram a própria nação.

Apesar da vitória na remoção das tarifas sobre produtos agrícolas, o governo brasileiro continua trabalhando para eliminar as barreiras comerciais que ainda afetam alguns dos nossos produtos manufaturados.

Além disso, permanecem as sanções impostas pelo governo Trump contra autoridades brasileiras. O ministro Alexandre de Moraes e sua esposa foram sancionados via Global Magnitsky Act, enquanto outros ministros do STF tiveram seus vistos americanos revogados.

A diplomacia brasileira segue atuando para reverter também essas medidas punitivas.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.