A reação de Lula ao projeto antifacção busca evitar brechas jurídicas e preservar a força da PF, enquanto o governo tenta conter tensões com a Câmara
A segurança pública é, inegavelmente, um dos campos de batalha mais complexos para qualquer governo progressista no Brasil. A recente ofensiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra o chamado Marco Legal de Combate ao Crime Organizado (ou PL Antifacção) – um projeto de lei em tramitação que promete endurecer as punições, mas que possui sérias falhas técnicas – é um movimento que, embora arriscado, é politicamente necessário e ideologicamente coerente com o viés de esquerda.
A Coerência em detalhe: Evitar o endurecimento penal com falhas
O governo Lula enfrenta o dilema de como se posicionar sobre uma pauta que tem “apoio popular expressivo”, mas cujo texto aprovado na Câmara está repleto de “erros grosseiros”. De uma perspectiva de esquerda, a segurança pública não se resolve apenas com o aumento de penas ou o endurecimento da legislação, mas sim com políticas sociais, inteligência e combate estratégico às estruturas do crime, sem comprometer as liberdades democráticas e a eficácia das investigações.
O texto em debate, apesar de ter o apelo do combate ao crime, apresenta riscos concretos:
- Fragilização institucional: Há uma tentativa de retirar recursos da Polícia Federal – um órgão crucial no combate ao crime organizado em nível federal.
- Insegurança jurídica: A criação de dispositivos que se “sobrepõem à legislação atual” pode, ironicamente, abrir “brechas jurídicas” que acabam beneficiando os próprios criminosos, tornando a aplicação da lei mais confusa e menos eficaz.
- Burocratização do combate ao lucro: Novas regras para o “perdimento de bens” podem tornar o processo mais lento e ineficaz – um tiro no pé contra o poder financeiro das facções.
O Presidente acerta ao priorizar a qualidade técnica e o combate estrutural em detrimento de uma legislação meramente punitivista e ineficaz.
Diálogo e articulação: O Risco controlado na Câmara
O ponto de tensão com o presidente da Câmara, Hugo Motta, e a consequente ameaça de desgaste na base aliada é o maior custo imediato desta estratégia. A recomposição da base é fundamental para a aprovação de temas cruciais como a LDO e o Orçamento da União de 2026.
No entanto, a atuação de Motta, que se alinha ao Centrão e ao PL em pautas da direita, é um sinal claro de que o governo precisará recalcular a rota, mas não necessariamente recuar em seus princípios. O desafio é comunicar à sociedade que ser contra o PL Antifacção defeituoso não é ser contra a segurança, mas sim a favor de um combate ao crime mais inteligente e efetivo.
O Recalculo necessário: A Arte de vencer corrigindo
A avaliação de aliados aponta para a via do pragmatismo político. Se o Senado, onde o texto deve ser aprovado com modificações, não arquivar a proposta, o governo deve concentrar seus esforços em:
- Destacar as vitórias conquistadas: Reforçar publicamente que o governo barrou a diminuição do poder da PF e impediu alterações na Lei Antiterrorismo.
- Negociação no Senado: Concentrar a força política para garantir que as falhas grosseiras sejam integralmente corrigidas antes da aprovação final.
A estratégia de confronto foi uma cartada para chamar a atenção para os problemas do texto, mas agora o desafio é transformá-la em uma estratégia de correção no Senado, evitando a narrativa de isolamento político. Lula precisa usar seu capital político para aprovar uma lei de segurança pública que seja eficaz e que não comprometa a capacidade de atuação do Estado, uma posição que, no longo prazo, se mostrará mais vantajosa para o país e coerente com a agenda progressista.