Paulo Ramirez vê PL Antifacção “sem vitoriosos” e prevê revelação de esquemas de lavagem de dinheiro com crise do Master
O cientista político Paulo Niccoli Ramirez avalia que a indicação do advogado-geral da União Jorge Messias ao Supremo Tribunal Federal (STF) representa um movimento político calculado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, ele diz que, além de ser um quadro próximo ao governo, Messias tem um perfil que dialoga com setores evangélicos, algo estratégico para evitar tensões no Senado durante a sabatina.
“É uma figura próxima ao governo e, ao mesmo tempo, é uma figura que foi anunciada como evangélica. Isso serve para Lula, de alguma forma, criar um escudo contra a oposição dentro do Senado”, explica. Para ele, o ministro indicado representa um segmento “evangélico progressista”, capaz também de desfazer estigmas alimentados pela extrema direita.
O cientista político acredita ainda que a escolha é parte de uma disputa histórica na composição do Supremo. “Isso evita também a hegemonia criada desde a redemocratização com governos de direita, com governos ligados ao neoliberalismo. Lula faz uma contrapartida, o que é justo e legítimo, já que é o terceiro mandato dele e ele tem a prerrogativa de escolher os membros do STF”, aponta.
PL Antifacção: ‘Ninguém saiu vitorioso’
Ramirez também analisou a aprovação do Projeto de Lei (PL) Antifacção na Câmara dos Deputados, relatado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP). Para o cientista político, o processo expôs tensões internas da direita e mostrou que nenhum campo conseguiu impor integralmente sua visão.
“Vale dizer que ninguém saiu absolutamente vitorioso ou derrotado nessa história”, afirma. Ele acredita que a própria bancada da bala se irritou com o protagonismo de Derrite, que tentou reduzir o poder da Polícia Federal e insistiu na divisão dos recursos obtidos com bens apreendidos do tráfico.
Apesar de não ter deixado passar a caracterização do crime organizado como terrorismo, desejada pela extrema direita, o governo Lula também não conseguiu aprovar o texto original apresentado pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. “Ninguém conseguiu fazer o projeto 100% original que queria”, resume.
Para o cientista político, porém, a tendência é de um maior equilíbrio no Senado. “O Senado é a vida adulta de todo o parlamentar. As decisões tendem a ser mais técnicas, mais constitucionalistas, em diálogo direto, inclusive, com o STF”, esclarece.
Banco Master: crise pode expor esquemas do PCC, milícias e políticos
Ao comentar a prisão do empresário Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, Ramirez prevê que a investigação deve se aprofundar e revelar conexões amplas com o crime organizado e setores do poder político. “O Banco Master do seu dono, Vorcaro, é uma bomba que vai explodir, vai ressoar para todos os lados que estão envolvidos com lavagem de dinheiro”, projeta.
O cientista político explica que o banco oferecia 140% do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), prática considerada inviável pelo sistema financeiro e que, segundo as apurações, servia para movimentar recursos ilícitos. Ele menciona ainda suspeitas envolvendo o governo do Rio de Janeiro, policiais ligados a milícias e operações recentes da Polícia Federal.
“Se ele [Vorcaro] estava tentando fugir, é porque certamente tem muita coisa para contar. Muita gente graúda pode ser atingida e muita gente que nem imaginamos que pertence a esses grupos de lavagem de dinheiro deve estar dentro”, afirma.
Por isso, ele defende a autonomia da Polícia Federal e o papel da instituição no rastreio dos passos do tráfico de drogas e do crime. “O projeto do Derrite [PL Antifacção] queria exatamente o contrário: dar autonomia para os estados. Só que nos estados, como no Rio de Janeiro, a milícia está ligada à polícia e, consequentemente, a forças investigativas, e aí tudo ficaria entre amigos”, indica.
Publicado originalmente pelo Brasil de Fato em 21/11/2025
Por Adele Robichez E Lucas Salum e Nara Lacerda – São Paulo (SP)
Edição: Nathallia Fonseca