COP30 chega a impasse após remoção de menções a combustíveis fósseis e provoca forte reação de países, especialistas e organizações

Foto: Pablo Porciuncula/AFP

A COP30 entrou nesta sexta-feira (21) em um impasse político e diplomático depois que o Brasil, país anfitrião, retirou do documento-base qualquer referência a combustíveis fósseis. O esboço de decisão apresentado durante a madrugada não menciona petróleo, gás ou carvão, eliminando todas as opções de redação sobre o tema que estavam presentes em versões anteriores. A alteração frustrou dezenas de países que vinham tratando o assunto como central para a conferência, além de provocar críticas duras de cientistas, organizações ambientais e governos.

A tentativa de garantir um acordo global sobre como abandonar gradualmente os combustíveis fósseis havia sido defendida por um amplo grupo de nações desde o início da cúpula. A primeira versão da minuta divulgada nesta semana ainda trazia alternativas de redação sobre o tema, mas, segundo a nova proposta publicada nesta sexta-feira pela ONU, essas opções foram “completamente removidas”. A mudança ocorre no momento em que pavilhões da conferência seguem interditados após um incêndio, aumentando a pressão sobre a presidência brasileira para fechar um acordo nas próximas horas.

A divulgação dos rascunhos nesta sexta-feira pelo governo brasileiro gerou forte reação. Desde o início da COP30, o país articulava a criação de um “mutirão global” que incluísse um mapa do caminho para reduzir a dependência de combustíveis fósseis — um compromisso assumido na COP28, mas que nunca entrou formalmente na agenda deste ano por resistência de alguns blocos. Na noite de quinta-feira (20), mais de 30 países declararam que não apoiariam um texto final que não incluísse esse roteiro. No documento enviado à presidência da conferência, Colômbia, França, Reino Unido, Alemanha e outros afirmaram que “não podem apoiar um resultado que não inclua um mapa do caminho justo, ordenado e equitativo para deixar os combustíveis fósseis para trás”.

A reação também veio de organizações ambientais e do meio científico. O Observatório do Clima classificou o “Pacote de Belém” como “desequilibrado e com furos inaceitáveis”, afirmando que a ausência de um roteiro ignora as causas da crise climática. O Greenpeace Brasil declarou que as metas de emissão para 2035 estão muito aquém do necessário e que o texto é praticamente inútil por não pressionar países a acelerar suas ações. “Não há outra opção senão os países rejeitá-lo e devolvê-lo à presidência para revisão”, disse a diretora Carolina Pasquali.

Entre governos, a frustração também foi imediata. A ministra do Meio Ambiente da Colômbia, Irene Vélez Torres, destacou: “Tivemos uma grande decepção ao conhecer o texto, já que ele exclui dois temas muito relevantes para o sul global: o roteiro de eliminação progressiva de combustíveis fósseis e um mecanismo de transparência do financiamento para os países do Sul”.

O movimento internacional pelo Tratado sobre Combustíveis Fósseis classificou o texto como insuficiente diante do agravamento dos impactos climáticos. “A falta de um plano concreto para lidar com a produção de carvão, petróleo e gás só aumenta a urgência de um Tratado sobre Combustíveis Fósseis”, afirmou o presidente da iniciativa, Kumi Naidoo.

Especialistas em políticas climáticas também apontaram perda de ambição. Para Caio Victor Vieira, do Instituto Talanoa, o texto está “balanceado”, mas com retrocessos significativos na linguagem sobre combustíveis fósseis. Já a presidente da organização, Natalie Unterstell, disse que o rascunho é “fraco e vago” e cria “salas de espera” para temas centrais, afirmando: “Não há linguagem sobre combustíveis fósseis, não há uma direta relação com o parágrafo 28. Então é um rascunho fraco, é um rascunho nesse momento que faz, digamos, ambição por subtração”.

O Pavilhão de Ciência Planetária, que reúne pesquisadores como Carlos Nobre, Thelma Krug e Johan Rockström, divulgou nota afirmando que a ausência de qualquer menção ao tema representa “uma traição à ciência e às pessoas mais vulneráveis”. Para eles, “é impossível limitar o aquecimento a níveis que protejam as pessoas e a vida sem eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e acabar com o desmatamento”. À Globonews, Nobre reforçou que espera uma revisão do texto: “É inaceitável”, afirmou.

Lucas Allabi: Jornalista em formação pela PUC-SP e apaixonado pelo Sul Global. Escreve principalmente sobre política e economia. Instagram: @lu.allab
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