Sob forte pressão de Washington, líderes europeus atuam para evitar que Kiev aceite um acordo visto como concessão inédita a Moscou
Os principais líderes europeus passaram os últimos dias tentando ganhar tempo para evitar que a Ucrânia fosse empurrada para um cessar-fogo considerado desfavorável, depois que o governo Trump impôs um prazo de apenas sete dias para que Kiev aceitasse os termos de um novo plano negociado com Moscou. A proposta, rejeitada de imediato por ucranianos e aliados, é vista no continente como uma concessão extrema ao Kremlin — uma leitura que reacendeu tensões e colocou Washington no centro das críticas.
O presidente Volodymyr Zelenskiy, em diálogo intenso com autoridades da França, da Alemanha e de outros países europeus, buscou avaliar o quanto o ultimato dos EUA tinha realmente de definitivo. O prazo até a próxima quinta-feira, estabelecido após a divulgação de um plano de 28 pontos, colocou líderes europeus em alerta e os levou a atuar nos bastidores para desacelerar o ritmo exigido por Washington.
O chanceler alemão Friedrich Merz conversou diretamente com Donald Trump e conseguiu, ao menos, garantir que as discussões continuariam no nível dos conselheiros de segurança nacional. Isso colocaria Marco Rubio — que acumula a função estratégica além do cargo de secretário de Estado — no centro das negociações, um sinal de que o documento poderia ser menos inflexível do que Trump havia sugerido inicialmente. Rubio, segundo relatos, descreveu o texto como uma “proposta para gerar novas ideias”, e não como um formato fechado.
Na noite de sexta-feira, porém, Trump voltou a adotar um tom duro. Questionado sobre o que ocorreria caso Kiev não aceitasse o acordo, ele afirmou estar pronto para se afastar do conflito. “Ele terá que gostar — e se não gostar, então, sabe, eles deveriam continuar brigando, eu acho”, disse sobre Zelensky, ressaltando que “em algum momento ele terá que aceitar alguma coisa”. Ainda assim, em entrevista à Fox News Radio na mesma manhã, o presidente americano sugeriu alguma margem de manobra ao afirmar que, se as conversas avançarem, os prazos poderiam ser estendidos.
A expectativa agora recai sobre a reunião do G-20 em Joanesburgo, na África do Sul, onde líderes europeus devem construir uma estratégia conjunta para responder ao ultimato dos EUA. Segundo uma fonte próxima às discussões, o plano apresentado por americanos e russos exigiria que a Ucrânia abrisse mão de extensas áreas ocupadas, reduzisse drasticamente suas Forças Armadas e desmontasse gradualmente o regime de sanções contra Moscou.
Um rascunho do documento, visto pela Bloomberg News, prevê o reconhecimento de facto da Crimeia, Luhansk e Donetsk como territórios russos “inclusive pelos Estados Unidos”. Exigiria ainda que Kiev organizasse eleições em 100 dias, desistisse definitivamente da meta de ingresso na OTAN e reduzisse o efetivo militar a patamares muito inferiores aos atuais.
Diante do impacto inicial, alguns diplomatas recordaram episódios anteriores em que Trump lançou exigências rígidas apenas para recuar após pressão da Ucrânia e de aliados europeus. Um funcionário europeu, sob anonimato, destacou que Zelensky já passou por situações semelhantes e insistiu que, apesar das dificuldades, a Ucrânia continua impondo perdas significativas às tropas russas e ampliando ataques a alvos estratégicos dentro do território da Rússia. Ele lembrou ainda que novas sanções americanas estão para entrar em vigor, o que torna o cenário mais complexo para Moscou do que para Kiev.
Especialistas também demonstram ceticismo. Meghan O’Sullivan, diretora do Centro Belfer da Universidade Harvard, disse à Bloomberg Television que é irrealista imaginar que um pacote tão abrangente possa ser aceito por ucranianos, russos e europeus. “Ideias fundamentais precisam ser colocadas na mesa, mas acreditar que tudo isso pode ser negociado até quinta-feira me parece inconcebível”, declarou.
Zelensky, em publicação nas redes sociais, afirmou ter conversado por quase uma hora com o vice-presidente dos EUA, JD Vance, e com o secretário do Exército, Dan Driscoll, que viajaram a Kiev para discutir o plano. Enquanto isso, Vladimir Putin voltou a culpar a Ucrânia pelo impasse e sugeriu que foram os próprios americanos — e não Moscou — os autores da nova proposta.
Vários elementos do acordo já haviam sido rejeitados categoricamente pela Ucrânia no passado. Países da OTAN também veem com desconfiança o texto, pois ele limitaria a capacidade da aliança de admitir novos membros, o que exigiria unanimidade entre os 32 Estados integrantes. O documento propõe ainda que os EUA forneçam garantias de segurança a Kiev — mas de forma remunerada — e que recebam metade dos lucros destinados à reconstrução da Ucrânia. As sanções contra Moscou seriam suspensas conforme o cumprimento das etapas previstas, abrindo caminho para uma parceria econômica futura entre Estados Unidos e Rússia.
Enquanto europeus tentam impedir que o processo avance sob pressão, vozes republicanas no Congresso americano também se levantaram contra o plano. O senador Roger Wicker, presidente do Comitê de Serviços Armados do Senado, afirmou que duvida da capacidade do acordo de alcançar a paz. Para ele, “a Ucrânia não deve ser forçada a ceder seu território a um dos criminosos de guerra mais flagrantes do mundo, Vladimir Putin”.
O senador Mitch McConnell foi ainda mais direto: acusou Putin de tentar manipular Trump durante todo o ano e criticou assessores do governo que, segundo ele, estariam mais preocupados em “apaziguar” o Kremlin do que em buscar uma paz duradoura. “Se os funcionários do governo estão mais preocupados em apaziguar Putin do que em garantir uma paz verdadeira, então o presidente deveria procurar novos assessores”, afirmou.
Com pressão externa e interna, ruídos entre aliados e um plano que oferece vantagens substanciais à Rússia, a Europa tenta ganhar tempo. Para muitos líderes do continente, a solução construída às pressas pelos EUA pode comprometer não apenas a soberania da Ucrânia, mas também a segurança de toda a região — e entregar ao Kremlin resultados que Moscou jamais obteve no campo de batalha.