Nos últimos dias, começou na África do Sul a reunião de líderes do G20, que ocorre pela primeira vez em solo africano. O presidente Lula já está em Joanesburgo para o encontro, que ganhou destaque global. Nesta semana, o Financial Times publicou o artigo abaixo, assinado por Lula, Cyril Ramaphosa e Pedro Sánchez, em função da abertura do G20 e da COP em Belém.
Lula, Ramaphosa e Sánchez: enfrentamos uma emergência de desigualdade
As necessidades das pessoas comuns devem estar no centro da agenda mundial
Conforme escrevemos, conversas vitais da COP sobre mudanças climáticas estão sendo realizadas em Belém, no Brasil. Em breve, a Cúpula de Líderes do G20 acontece pela primeira vez em solo africano, em Joanesburgo. Em uma era de volatilidade, tais encontros oferecem um caminho de progresso para o mundo.
Os riscos não poderiam ser maiores. Famílias em todos os continentes têm mais dificuldade para fechar as contas no fim do mês, comunidades ao redor do planeta enfrentam secas, enchentes e incêndios florestais — não como notícias, mas como o novo normal — enquanto jovens são privados de oportunidades econômicas reais. Democracias estão sob ameaça em todo o mundo.
Nossa responsabilidade é oferecer a liderança que estes tempos extraordinários exigem. Mas também é desafiar o velho modo de fazer as coisas com um novo multilateralismo que coloque as necessidades das pessoas no centro da agenda internacional.
A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada no ano passado sob a presidência brasileira do G20, é um exemplo concreto de como os Estados podem cooperar para erradicar uma das formas mais extremas e cruéis de desigualdade: o acesso a alimentos adequados, seguros e nutritivos. O mesmo vale para a Plataforma de Ação de Sevilha, lançada em junho na Quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4), que está reunindo governos para ajudar a entregar avanços tangíveis no financiamento de nosso futuro.
O Prêmio Nobel Joseph Stiglitz e uma equipe de especialistas entregaram recentemente o primeiro relatório do G20 sobre desigualdade global, baseado em ampla evidência mundial, contribuições internacionais e na experiência de países dos quatro cantos do planeta. A conclusão é clara: enfrentamos uma emergência de desigualdade, assim como enfrentamos uma emergência climática.
Altos níveis de desigualdade estão na raiz de nossas crises econômicas, políticas, sociais e ambientais. O relatório mostra que a desigualdade não apenas prejudica o desempenho econômico, mas ameaça a própria democracia. Riqueza e poder demais estão concentrados nas mãos de poucos — enquanto monopolistas dominam indústrias inteiras, incluindo boa parte da mídia e a praça pública do século XXI: as redes sociais. A inteligência artificial, mesmo com todos os seus potenciais benefícios, corre o risco de aprofundar ainda mais essas desigualdades.
Entre 2000 e 2024, o 1% mais rico capturou 41 centavos de cada dólar de riqueza gerado — enquanto apenas 1 centavo foi partilhado pela metade mais pobre da humanidade. Deve nos alarmar que veremos nossos primeiros trilionários em poucos anos, enquanto quase metade da população mundial ainda vive na pobreza. Ao mesmo tempo, está mais claro do que nunca que a emergência climática é uma crise de desigualdade.
Essas estatísticas devem trazer um senso de urgência às reuniões de Joanesburgo e Belém. A desigualdade extrema é um risco sistêmico para todas as economias. Mas é um risco que podemos solucionar juntos — e é do nosso interesse coletivo fazê-lo.
Um primeiro passo é equipar melhor formuladores de políticas e o público para compreender e enfrentar a desigualdade. Em 1988, governos estabeleceram o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para avaliar rigorosamente as evidências que embasariam ações contra a emergência climática. Hoje, é necessário um esforço global semelhante para enfrentar a emergência da desigualdade.
Nós três apoiamos a criação de um Painel Internacional sobre Desigualdade, como propõe o relatório — e construiremos uma coalizão de governos para defendê-lo e concretizá-lo. Este deve ser o órgão global de referência, oferecendo a formuladores de políticas, ao setor privado e ao público avaliações autorizadas sobre desigualdade.
Devemos também reescrever as regras econômicas internacionais e reinventar a cooperação multilateral com base nos valores de soberania e solidariedade. Isso significa novas regras para lidar com desafios que vão das mudanças climáticas e da degradação ambiental ao superendividamento, à fragmentação comercial e à tributação justa. Todos exigem cooperação esclarecida. Nenhum é atendido por unilateralismos estreitos.
Além disso, há uma oportunidade imensa — por exemplo, na transição verde — para que os países trabalhem juntos de novas maneiras. Redesenhar regras de propriedade intelectual para responder melhor a crises é necessário para evitar algo como o apartheid de vacinas visto durante a pandemia. A FfD4 reacendeu a chama da cooperação para o desenvolvimento sustentável e mostrou como os países podem colaborar novamente, por exemplo, para reformar regras tributárias e a arquitetura global da dívida.
Níveis extremos de desigualdade não são, de forma alguma, inevitáveis. São uma escolha política. Podemos escolher de outro modo. Superá-los é um desafio geracional que devemos enfrentar. Fizemos dele nossa missão, começando pela criação de um Painel Internacional sobre Desigualdade. Isso seria um legado capaz de definir uma era.