Pela primeira vez na história, um em cada quatro desempregados americanos tem diploma universitário; recém-formados enfrentam “tempestade perfeita”
O mercado de trabalho nos Estados Unidos atravessa uma desaceleração profunda e atípica, que atinge com força o topo da pirâmide de qualificação. Dados divulgados pelo Departamento de Estatísticas do Trabalho (BLS) dos EUA revelam um marco inédito: os americanos com diploma de bacharelado agora representam um número recorde de 25% dos trabalhadores desempregados no país. Essa proporção, que nunca havia atingido patamar tão alto em dados que remontam a 1992, é um sintoma claro do esfriamento na contratação de profissionais qualificados ao longo deste ano.
O relatório de setembro, divulgado na quinta-feira após atrasos devido à paralisação do governo, mostrou que a taxa de desemprego para indivíduos com pelo menos um diploma de quatro anos subiu para 2,8%. Trata-se de um aumento de meio ponto percentual em relação ao ano anterior. Enquanto isso, outros níveis de escolaridade registraram aumentos marginais ou sequer viram a taxa crescer no mesmo período, evidenciando uma pressão concentrada sobre os profissionais mais escolarizados.
O fardo sobre os jovens: “Tempestade perfeita”
A situação se agrava especialmente entre os mais jovens. Em setembro, havia mais de 1,9 milhão de americanos com 25 anos ou mais e pelo menos um diploma de bacharelado sem emprego. A crise atinge de forma devastadora os jovens recém-formados. O presidente do Banco da Reserva Federal de Nova York, John Williams, descreveu o cenário para este grupo como uma “tempestade perfeita”.
“Para os recém-formados, foi como se tivessem sido atingidos por uma tempestade perfeita”, disse John Williams na sexta-feira, acrescentando que, normalmente, “os recém-formados são absorvidos pelo mercado de trabalho assim que saem da faculdade, e isso não aconteceu tanto este ano”.
Os dados do BLS confirmam o impacto desproporcional sobre esta faixa etária. A taxa de desemprego para pessoas entre 20 e 24 anos atingiu 9,2% em setembro, um salto de 2,2 pontos percentuais em comparação com o ano anterior. Um aumento de tal magnitude é historicamente inédito fora de períodos de recessão formal. Em contraste, os americanos mais velhos têm mantido taxas de desemprego abaixo de 4%, com aumentos mais contidos nos últimos meses.
O receio da automação e o foco dos cortes
Este marco recorde no desemprego de qualificados surge em meio a uma onda de anúncios de demissões em corporações gigantes, como Amazon.com, Target Corp. e Starbucks Corp. Um relatório recente da empresa de recolocação profissional Challenger, Gray & Christmas indicou que os cortes de empregos anunciados em outubro foram os mais altos para o mês em mais de 20 anos. O motor por trás dessa alta, segundo a empresa, são os planos de substituir cargos por inteligência artificial.
Para Michael Feroli, economista-chefe para os EUA do JPMorgan Chase & Co., este aumento do desemprego entre a população universitária “deve alimentar ainda mais os temores de perda de empregos relacionados à IA“.
O temor da automação se reflete na desaceleração em setores-chave. O setor de serviços profissionais e técnicos — que engloba indústrias como design de sistemas de computador, consultoria de gestão e técnica, e pesquisa e desenvolvimento científico — registrou um declínio acentuado no número de funcionários nos primeiros nove meses do ano.
O quadro geral do emprego nacional ilustra a estagnação. O relatório revelou que apenas dois setores — saúde e assistência social, e lazer e hotelaria — foram responsáveis por mais de 100% do crescimento do emprego nos EUA em 2025. Juntos, eles criaram 690.000 vagas. Excluindo estes dois setores de baixo e médio salário, o emprego nacional encolheu em cerca de 6.000 postos de trabalho, sugerindo que o crescimento econômico não está gerando oportunidades para a base de trabalhadores qualificados.
Em um exemplo recente da tendência, a Verizon Communications Inc. tornou-se a mais recente empresa a anunciar cortes abrangentes na quinta-feira, declarando que demitirá mais de 13.000 funcionários em uma tentativa de reduzir sua força de trabalho não sindicalizada em até 20%. A crise de empregabilidade entre os mais escolarizados acende um alerta sobre as prioridades corporativas e o futuro da força de trabalho em um mundo cada vez mais dependente da automação.