Uma década após a publicação de seu best-seller “O Capital no Século XXI”, o economista Thomas Piketty analisa o cenário político e econômico global. O mundo de hoje está marcado por impasses políticos, dívidas fiscais crescentes e a ascensão de movimentos nacionalistas.
Esta entrevista foi conduzida por Joel Suss para o Financial Times e publicada em 5 de novembro de 2025. Faz parte da série “Economists Exchange”. Nela, Piketty discute as raízes da desigualdade, o futuro da esquerda e sua visão otimista sobre a marcha histórica em direção à igualdade.
Piketty começa desconstruindo o termo “populismo”. Para ele, é uma estratégia das elites para desqualificar qualquer oposição. Em vez disso, propõe uma análise baseada em três famílias ideológicas: nacionalismo, liberalismo e socialismo.
O campo liberal pró-negócios foi enfraquecido pelo aumento da desigualdade e pela estagnação da renda da classe média. Isso forçou a direita a se aliar ao discurso nacionalista e anti-imigração para conquistar o voto popular. Partidos como o Conservador britânico perderam sua base eleitoral tradicional.
A esquerda, que Piketty chama de “socialista democrática”, enfrenta uma crise de identidade. Historicamente bem-sucedida na construção do estado de bem-estar social, ela se tornou uma força conservadora. Hoje, foca em defender conquistas passadas em vez de propor uma nova agenda para o futuro.
O economista argumenta que a esquerda se tornou “vítima de seu próprio sucesso”. A expansão educacional, uma de suas bandeiras, criou uma nova elite instruída que vota na esquerda. Mas alienou eleitores com menor escolaridade e de cidades menores, que se sentem deixados para trás.
Essa nova divisão educacional e territorial é mais relevante do que a divisão geracional. Piketty aponta que a desigualdade de riqueza dentro de cada faixa etária é quase tão grande quanto na população como um todo. A clivagem de classe social é mais importante do que o conflito entre jovens e idosos.
Diante de impasses fiscais, como o da França, Piketty defende que a solução não virá de cortes em gastos sociais. Políticas anti-imigração também geram pouco impacto orçamentário. A alternativa é uma tributação progressiva sobre a riqueza, começando pelos bilionários.
Ele critica a forma como a inteligência artificial está sendo desenvolvida. Vê-a como um modelo “extrativista e hipercapitalista” que se apropria da propriedade intelectual coletiva. Falta transparência e compensação adequada.
Sobre política monetária, Piketty destaca que a criação de moeda é a única forma de confrontar crises rapidamente. Mudanças fiscais levam tempo. Ele defende uma discussão democrática sobre o uso de instrumentos monetários para objetivos climáticos e sociais.
Piketty também critica o sistema monetário internacional. Os países ricos, incluindo a zona do euro, se beneficiam de taxas de juros muito baixas. Enquanto isso, países do sul global pagam taxas muito mais altas, entre 5% e 10%.
Apesar dos desafios, Piketty se mantém otimista. Acredita que o movimento histórico em direção a mais igualdade é uma força poderosa. Não se trata apenas de igualdade econômica, mas de status e dignidade.
Ele vê esse movimento como uma tendência de longo prazo que, apesar de altos e baixos, prevalecerá. Seu livro mais recente, “Uma Breve História da Igualdade”, resume essa visão otimista. É uma obra curta que ele recomenda especialmente para quem se sente deprimido com a situação política atual.