Acordo de 28 pontos gera divisão na aliança ocidental

O diálogo entre Merz e Trump aprofunda a preocupação europeia diante de um plano que concede vantagens estratégicas à Rússia e limita a independência da Ucrânia / Reprodução

Aliados europeus reforçam que qualquer decisão sobre o futuro do país deve partir de Kiev, rejeitando pressões externas que reduzam sua autonomia e segurança


A diplomacia, por definição, deveria buscar um equilíbrio que preserve a dignidade e a soberania das partes envolvidas. Contudo, as discussões sobre o plano de paz para a Ucrânia, conduzidas pelo chanceler alemão Friedrich Merz e pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, representam o exato oposto: uma agenda de realpolitik cínica que visa forçar a submissão de Kiev às exigências imperialistas da Rússia. A conversa telefônica entre os líderes, que ocorre sob intensa pressão de Washington para que a Ucrânia aceite um acordo de rendição, revela como os interesses geopolíticos e o lucro financeiro estão sendo colocados acima do princípio fundamental da autodeterminação nacional.

Leia também: Governo alemão diz que Trump e Merz trataram ações contra a Ucrânia

O fato de Merz — o principal líder da Europa, neste momento — discutir e levar adiante um plano que favorece ostensivamente o Kremlin, antes mesmo de se reunir com seus parceiros europeus na cúpula do g20, sinaliza uma perigosa convergência da direita transatlântica em detrimento da justiça e da soberania ucraniana.

O plano de 28 pontos: o preço da soberania no balcão de Wall Street

O centro das discussões é um plano de 28 pontos, costurado por enviados de Trump e do presidente russo, Vladimir Putin, que essencialmente entrega as chaves da segurança futura da Ucrânia em troca de um cessar-fogo imediato. A proposta, obtida pela bloomberg news, é uma série de concessões drásticas que premiam a agressão militar.

Entre os termos mais críticos, a Ucrânia seria coagida a ceder grandes porções de território atualmente ocupadas, com as regiões da Crimeia, Luhansk e Donetsk sendo “reconhecidas como russas de facto, inclusive pelos estados unidos”. Isso não é paz, mas a legitimação da anexação territorial através da força.

O plano avança ao minar a capacidade de defesa futura de Kiev. A exigência de que a Ucrânia renuncie à adesão à otan e consagre essa promessa na Constituição, juntamente com a limitação do tamanho de suas Forças Armadas, representa uma restrição inaceitável à soberania nacional. É uma exigência de neutralidade imposta, que deixa o país vulnerável a futuras agressões.

Em contrapartida, a Rússia, o país agressor, seria premiada com a suspensão gradual das sanções e, de forma altamente simbólica, seria reintegrada ao g8, encerrando seu isolamento internacional. O balanço desta proposta pende de forma esmagadora para moscou, comprometendo a segurança e o futuro político de um país que luta pela sua existência.

A geopolítica do lucro: como Washington se beneficia do congelamento russo

O aspecto mais ultrajante deste “acordo de paz” é a sua arquitetura financeira, que transforma a reconstrução da Ucrânia em uma operação lucrativa para os estados unidos. O plano prevê que cerca de us$ 100 bilhões em ativos russos congelados sejam destinados aos esforços de reconstrução liderados pelos EUA. No entanto, o governo americano receberia 50% do lucro desses ativos. O restante não utilizado seria alocado a um fundo de investimento russo-americano.

Isso desmascara a pretensa moralidade de washington. Em vez de agir como um aliado incondicional em defesa da democracia, o governo trump está estruturando a compensação pela agressão russa como um balcão de negócios, onde o estado americano se torna um extrativista financeiro, lucrando com a devastação de um conflito que deveria ter seu ônus integralmente pago pelo agressor. Esta cláusula demonstra que o principal interesse de washington é o ganho financeiro, e não a justiça para o povo ucraniano.

A rejeição dos aliados e o princípio da autodeterminação de Kiev

Apesar da pressão coercitiva exercida por Washington — que pode incluir a ameaça de reter suprimentos de armas e informações de inteligência para forçar zelenskiy a aceitar os termos —, a resposta dos aliados mais firmes da Ucrânia tem sido coerente e moralmente correta.

O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, e a principal diplomata europeia, Kaja Kallas, ecoaram o mesmo princípio democrático: “o futuro da ucrânia deve ser determinado pela ucrânia e nunca devemos perder de vista esse princípio que sustenta a paz justa e duradoura que todos desejamos”.

Essa é a linha vermelha que não pode ser cruzada. O plano de paz de Trump e Putin é, essencialmente, uma pressão de duas potências nucleares para impor limites à soberania de um país menor. É um precedente perigoso para o direito internacional, onde a força é recompensada e a autodeterminação é negociada em uma mesa dominada por interesses hegemônicos.

Ao exigir que a Ucrânia comprometa sua soberania e segurança futura, o plano é uma capitulação. Zelenskiy deve resistir a essa coerção, e os parceiros europeus, liderados por figuras como Starmer e Kallas, devem se opor a qualquer acordo que não seja ditado e aprovado integralmente por Kiev. A verdadeira paz só pode ser construída sobre a justiça, não sobre a submissão.

Com informações de Bloomberg*

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