Plano Washington-Moscou acende alerta no continente europeu

O rascunho apresentado por Washington e Moscou exige perdas territoriais e militares profundas, alimentando críticas e revelando os interesses econômicos por trás do acordo / Reprodução

A tentativa dos EUA de impor um cessar-fogo em sete dias ampliou tensões com a Europa, que vê o plano como concessão inédita a Moscou e ameaça direta à soberania ucraniana


A tentativa abrupta e unilateral do governo dos Estados Unidos de forçar um cessar-fogo na Ucrânia, impondo um prazo de apenas sete dias para que Kiev aceitasse um novo plano negociado com Moscou, revelou uma profunda divisão entre Washington e seus aliados europeus. Mais do que um esforço de mediação, o ultimato americano é visto no continente europeu como uma “concessão extrema ao Kremlin”, uma manobra que prioriza o desengajamento rápido dos EUA em detrimento da soberania ucraniana e da segurança regional. A pressão colocou Washington, e não a Rússia, no centro das críticas europeias.

Leia também: Europa tenta conter pressão dos EUA sobre a Ucrânia

O prazo até a próxima quinta-feira, estabelecido após a divulgação de um plano de 28 pontos, colocou líderes europeus em alerta máximo. O presidente Volodymyr Zelenskiy, em diálogo intenso com a França, a Alemanha e outros parceiros europeus, buscou avaliar o peso real desse ultimato, considerado por muitos como desfavorável. A intervenção de figuras como o chanceler alemão Friedrich Merz, que conversou diretamente com Donald Trump e conseguiu que as discussões continuassem no nível dos conselheiros, indicou a gravidade da situação. A Europa busca desesperadamente ganhar tempo para desacelerar o ritmo exigido pela Casa Branca.

Embora o secretário de Estado Marco Rubio tenha tentado amenizar a situação, descrevendo o texto como uma “proposta para gerar novas ideias”, a postura do presidente Trump permaneceu inflexível. Ao ser questionado sobre o que ocorreria caso Kiev não aceitasse, ele adotou um “tom duro” e sugeriu estar pronto para se afastar do conflito, afirmando sobre Zelenskiy: “Ele terá que gostar — e se não gostar, então, sabe, eles deveriam continuar brigando, eu acho.” Essa retórica sugere que a principal prioridade americana é livrar-se do conflito, mesmo que isso signifique empurrar um aliado para aceitar termos que Moscou jamais conseguiu impor por completo no campo de batalha.

Lucro e desengajamento: O interesse americano no acordo

A análise do rascunho do acordo, que levou a Europa a uma mobilização imediata, expõe a profundidade das concessões exigidas e a natureza dos interesses americanos no processo. O plano, construído por americanos e russos, exigiria que a Ucrânia abrisse mão de extensas áreas ocupadas, reduzisse drasticamente suas Forças Armadas e desmontasse o regime de sanções contra Moscou.

O ponto mais sensível é o reconhecimento de facto da Crimeia, Luhansk e Donetsk como territórios russos, “inclusive pelos Estados Unidos”. Em troca de garantias de segurança — que seriam, ironicamente, remuneradas por Kiev —, o plano prevê que os EUA recebam metade dos lucros destinados à reconstrução da Ucrânia. Além disso, a suspensão das sanções abriria caminho para uma “parceria econômica futura entre Estados Unidos e Rússia”.

Tais termos sugerem que a administração americana está mais interessada em colher benefícios econômicos da crise e em criar uma nova relação geopolítica com a Rússia do que em garantir uma “paz duradoura” para a Ucrânia. A soberania de Kiev é tratada como moeda de troca em um grande rearranjo global, com os EUA se posicionando para lucrar tanto com a reconstrução quanto com a reabilitação econômica de Moscou.

O futuro da OTAN e a busca por um novo equilíbrio

A proposta levanta questões cruciais sobre o futuro da segurança europeia e o papel da OTAN. O documento exige que Kiev desista definitivamente da meta de ingresso na aliança e reduza o efetivo militar a patamares muito inferiores aos atuais. Além disso, o texto limitaria a capacidade da OTAN de admitir novos membros, o que exigiria unanimidade entre os 32 Estados integrantes.

Do ponto de vista de uma segurança multipolar e desescalada, o freio na expansão da OTAN, embora forçado por um ultimato, pode ser visto como um passo necessário para estabilizar as tensões regionais. Contudo, essa visão não é unânime nem mesmo dentro dos EUA. Voas republicanas no Congresso, como o senador Mitch McConnell, acusam assessores do governo de estarem preocupados em “apaziguar” o Kremlin e criticam duramente a tentativa de forçar a Ucrânia a ceder território.

Apesar de Kiev continuar impondo perdas significativas às tropas russas, a pressão dos EUA tenta ditar o fim do conflito sob seus termos. A expectativa é que, na reunião do G-20 em Joanesburgo, os líderes europeus consigam construir uma estratégia conjunta para resistir ao ultimato e impedir que o processo avance de forma tão apressada. Para muitos no continente, a solução construída às pressas pela aliança Washington-Moscou compromete a segurança de toda a região, entregando à Rússia uma vitória diplomática que ela não conseguiu alcançar sozinha.

O resultado final será menos sobre a paz e mais sobre a redefinição de quem dita as regras na arquitetura de segurança europeia, com os EUA buscando uma saída rápida e lucrativa, mesmo que isso signifique impor um acordo duro à Ucrânia e aos seus aliados ocidentais.

Com informações de Bloomberg*

Redação:
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.