Por que o monopólio do Google deve ser desmantelado?

Juiz do Google expressa preocupação com a venda da plataforma de anúncios apoiada pelo Departamento de Justiça / Reprodução

O dilema antitruste e a falácia da autorregulação: A defesa do Google tenta convencer o tribunal de que medidas comportamentais bastam


A manifestação de ceticismo da juíza Leonie Brinkema sobre a venda forçada da plataforma de anúncios do Google toca em uma questão central para o direito antitruste: como desmantelar o poder de um monopólio sem causar mais danos ou incerteza ao mercado. Embora as preocupações da magistrada sejam legítimas – focando na dificuldade de encontrar compradores adequados e no prazo para a conclusão do desinvestimento –, a história do capitalismo tardio nos ensina que confiar em “medidas comportamentais” para reformar gigantes tecnológicos é, na melhor das hipóteses, ingênuo e, na pior, um convite aberto para a perpetuação do abuso.

O Departamento de Justiça (DJ) dos EUA acertou ao exigir uma solução estrutural que vá à “raiz e galho” do problema. A determinação de Brinkema de que o Google monopolizou ilegalmente a tecnologia que conecta sites e anunciantes exige uma resposta à altura, uma que reconheça que o domínio do Google na tecnologia de publicidade não é natural nem inevitável, mas sim o resultado de anos de práticas anticompetitivas.

Leia também: Juíza do Google questiona ritmo da venda da plataforma de anúncios


O custo do tempo e o risco da complacência

A juíza Brinkema enfatiza, corretamente, que “o tempo é essencial”. No entanto, a pressa em evitar a complexidade do desinvestimento estrutural não pode levar a uma solução branda que apenas oferece ao Google um tapa na mão. O advogado do DJ, Matthew Huppert, está correto: a lei exige uma solução que “erradique completamente os monopólios ilegais do google”.

A proposta do Google de soluções comportamentais – como a integração com a tecnologia prebid e servidores de anúncios concorrentes – soa como mais uma tentativa de autorregulação. O histórico das big techs demonstra que tais medidas são facilmente contornáveis.

Enquanto o Google tiver o incentivo para abusar de sua posição dominante e o controle sobre os dois pilares da economia digital (o que os sites usam para vender espaço e o software que liga compradores e vendedores), qualquer promessa de “não reativar” mecanismos de leilão ilegais, como o first look e o last look, será apenas uma suspensão temporária.

O DJ refuta a adequação das medidas comportamentais, insistindo que o Google continuará tendo incentivos para abusar de sua posição de mercado. Esta é a essência do viés de esquerda na análise antitruste: o poder concentrado de mercado sempre encontrará formas de subverter a concorrência em seu próprio benefício. O poder econômico deve ser desmembrado, não apenas regulado.


Presos na teia: a urgência da solução estrutural

A defesa do Google, liderada pela advogada Karen Dunn, classificou a venda forçada como “o último recurso” e comparou a dificuldade técnica do desinvestimento a uma “ida à lua”. Essa retórica de complexidade visa paralisar o tribunal. No entanto, é precisamente a monumentalidade da máquina publicitária do Google que prova a urgência do desmantelamento.

O testemunho de vários editores durante o julgamento, que se sentiram “presos” pelo Google e que seriam obrigados a recriar completamente seus arquivos para mudar de servidor de anúncios, é a prova material do monopólio. O Google construiu um ecossistema que funciona como uma armadilha, onde a mudança para a concorrência é tecnicamente onerosa, se não proibitiva.

A proposta do governo de obrigar o Google a criar uma ferramenta que facilite a transferência de dados de editores é um passo na direção correta para libertar esses publishers. No entanto, a única garantia real contra futuras condutas monopolistas é a separação das operações. A venda forçada da plataforma AdX e a publicização da lógica final do leilão são medidas estruturais necessárias para garantir que o poder de mercado não se regenere.

O desinvestimento pode levar tempo – 15 meses é o prazo otimista do DJ –, e o risco de um comprador como a Microsoft suscitar novas questões antitruste é real. No entanto, o risco de permitir que o Google mantenha seu monopólio, perpetuando o abuso e a extração de valor de editores e consumidores, é infinitamente maior.

A juíza Brinkema está diante de uma escolha histórica: seguir o caminho do juiz Amit Mehta, que optou por proibir contratos de exclusividade, ou aplicar um remédio estrutural que vá à raiz do poder do monopólio. A venda forçada, embora complexa, é a única solução que restaura verdadeiramente a concorrência, quebra o controle extrativista do Google sobre a economia digital e devolve o poder de decisão e o valor aos criadores de conteúdo e ao público. O monopólio deve ser desmantelado para que o mercado digital possa respirar.

Com informações de Bloomberg*

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