A crise envolvendo o Banco Master expôs um nível de pressão política considerado inédito por servidores do Banco Central (BC). Relatos enviados ao Ministério Público e à Polícia Federal, descritos em reportagem de Malu Gaspar publicada por O Globo, indicam que a atuação de parlamentares e lideranças partidárias para evitar a intervenção no banco ultrapassou episódios anteriores de lobby sobre a autoridade monetária. A tentativa de manter a instituição ativa ocorreu em paralelo à Operação Compliance Zero, que levou à prisão do CEO do Master, Daniel Vorcaro, e desencadeou a maior liquidação já acionada pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC).
De acordo com os servidores que prestaram depoimento, o nível de articulação e pressão para aprovar a venda do Master ao Banco de Brasília (BRB) e impedir a intervenção gerou preocupação dentro da autarquia. Técnicos afirmam que o decreto de liquidação já estava pronto antes da operação da PF, mas só foi divulgado oficialmente posteriormente para proteger o BC de interferências externas. A operação policial foi deflagrada após a constatação de indícios de fraude na venda de carteiras de crédito ao BRB e na emissão de títulos sem lastro.
Divergências internas no BC durante a análise da proposta do BRB
As irregularidades apontadas na tentativa de aquisição do Master pelo BRB provocaram divisões internas entre diretores do Banco Central. A equipe técnica identificou inconsistências significativas nos créditos bilionários vendidos ao banco brasiliense, considerados sem lastro adequado. Diante das evidências, foi elaborada uma minuta de intervenção no Master, iniciativa liderada por Renato Gomes, diretor de Organização do Sistema Financeiro, com apoio de Gilneu Vivan, diretor de Regulação.
Segundo os relatos, a proposta enfrentou resistência do diretor de Fiscalização, Aílton Aquino, o que adiou uma decisão que já era defendida por parte da área técnica. Nos meses seguintes, a situação do Master foi monitorada de perto, e o BC aprofundou análises sobre a solvência e a liquidez da instituição. O processo culminou, na última semana, na liquidação extrajudicial, agora sob responsabilidade de uma empresa liquidante designada pelo órgão regulador.
Pressão no Congresso e a tentativa frustrada de abrir uma CPMI
Paralelamente às disputas internas, a crise também alcançou o Congresso Nacional. Após o anúncio da compra do Master pelo BRB, um grupo de senadores iniciou articulações para instalar uma CPI Mista destinada a investigar a operação. O requerimento, apresentado por Izalci Lucas (PL-DF), reuniu as assinaturas necessárias, mas o senador recuou pouco depois. Na justificativa, afirmou: “quero aqui agradecer aos parlamentares, porque grande parte deles talvez tenha assinado também, em função da credibilidade e do conhecimento que temos da matéria. Tenho aqui já alguns relatórios, tanto do BRB como do Banco Master, e quero tranquilizar [os colegas]”.
Nos bastidores, parlamentares atribuíram o recuo à influência do senador Ciro Nogueira (PP-PI), apontado por aliados e adversários como um dos principais defensores do Master no ambiente político. Embora negue ter atuado para barrar a CPI, Nogueira é associado a um grupo informal apelidado de “bancada do Master”, que incluiria parlamentares alinhados aos interesses da instituição financeira. O PP deve formalizar ainda este ano uma federação com o União Brasil, legenda presidida por Antonio Rueda, citada por investidores e técnicos como articuladora de aportes públicos em títulos do banco.
Tentativas de ampliar a cobertura do FGC e pressão sobre estatais
O ambiente de influência política não se limitou ao debate sobre a CPI. Em 2024, Ciro Nogueira apoiou a inclusão de um dispositivo na PEC da autonomia financeira do Banco Central para elevar o limite de cobertura do FGC de R$ 250 mil para R$ 1 milhão. A alteração ficou conhecida como “emenda Master” por beneficiar diretamente a captação de bancos que operam com forte dependência de CDBs, caso do Master. A proposta foi rejeitada pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), relator da PEC.
Outro episódio que ampliou o alerta entre servidores ocorreu na Caixa Econômica Federal. Dois gerentes da Caixa Asset foram afastados após se oporem à compra de R$ 500 milhões em letras financeiras do Master. Em documentos internos, a área técnica classificou a operação como “atípica” e “arriscada”, citando o volume elevado e o rating da instituição. A operação foi suspensa após a repercussão, mas o afastamento dos servidores reforçou o clima de tensão sobre os gestores que resistiam a aplicações consideradas de alto risco.
Operação, prisão e próximos passos judiciais
Daniel Vorcaro foi preso no âmbito da Operação Compliance Zero, que investiga fraudes bilionárias envolvendo a emissão de créditos sem lastro e irregularidades em operações com o BRB. A primeira solicitação de habeas corpus apresentada pela defesa foi negada pela desembargadora Solange Salgado da Silva, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Na decisão, a magistrada afirmou que “a interrupção das práticas criminosas” era imprescindível e que soltar Vorcaro representaria “risco concreto”.
A defesa prepara agora um novo pedido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Enquanto isso, o BC e o FGC seguem avaliando os impactos da liquidação. O resgate aos credores pode ultrapassar R$ 41 bilhões, o maior já registrado pelo fundo. Com o avanço da investigação, servidores afirmam que o episódio expõe falhas sistêmicas no acompanhamento de instituições com crescimento acelerado e forte dependência de captação protegida pelo seguro de depósitos.