Após a condenação imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pela tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro e quatro oficiais de alta patente das Forças Armadas enfrentarão um novo e decisivo julgamento. Desta vez, a análise caberá ao Superior Tribunal Militar (STM), responsável por decidir se haverá perda de posto e patente — punição prevista na legislação militar, mas inédita no contexto de crimes de motivação política desde a redemocratização. As informações foram publicadas originalmente por O Globo.
Além de Bolsonaro, integram o grupo o almirante Almir Garnier Santos e os generais Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Walter Braga Netto, todos condenados a mais de dois anos de prisão pelo STF. A Corte não tratou da eventual expulsão dos oficiais das Forças Armadas porque a Constituição define que apenas o STM tem competência para essa decisão.
A possibilidade de um marco histórico para as Forças Armadas
A eventual perda de posto e patente por tentativa de golpe é considerada por especialistas um ponto de inflexão na história militar brasileira. O historiador Carlos Fico, professor da UFRJ e autor de Utopia autoritária brasileira, afirmou que o momento tem caráter simbólico para a instituição. “Ser considerado indigno para o posto e a patente é algo muito grave e simbólico na carreira de um militar. Isso tudo está servindo de alerta para as Forças Armadas de que algo mudou, porque finalmente está havendo julgamento e condenação”, disse.
A declaração reflete a leitura de parte da comunidade acadêmica de que o sistema de responsabilização militar, historicamente marcado por corporativismo, passa a operar em novos parâmetros ao lidar com casos de alta repercussão política.
O ministro da Defesa, José Múcio, comentou o encerramento da fase penal do processo no STF. Para ele, “está se encerrando um ciclo, no qual os CPFs estão sendo responsabilizados e punidos, e as instituições estão sendo preservadas”. Múcio defendeu que a responsabilização individual dos envolvidos não compromete a estabilidade das Forças Armadas e que as estruturas institucionais seguem funcionando de maneira regular.
Abertura do processo no STM depende do Ministério Público Militar
Para que o STM inicie formalmente a análise, é necessário que o Ministério Público Militar (MPM) apresente uma representação solicitando a abertura do procedimento. Segundo informações do blog da colunista Miriam Leitão, há expectativa de que esse envio ocorra ainda em 2025, apesar do calendário apertado devido ao recesso do Judiciário, que começa em 19 de dezembro.
O procurador-geral militar, Clauro Roberto de Bortolli, tem dado celeridade ao encaminhamento de representações em casos recentes. Contudo, o avanço depende da chegada oficial do comunicado do STF ao Ministério Público Militar. Após o recebimento, a presidente do STM, ministra Maria Elizabeth Rocha, fará a distribuição do processo para um dos ministros do tribunal.
Embora exista possibilidade de a representação ser apresentada ainda este ano, técnicos ouvidos pelo jornal avaliam que o julgamento pelo plenário do STM deve ocorrer apenas no primeiro semestre de 2026, em razão da complexidade do caso e da necessidade de instrução detalhada.
Como funciona o processo de perda de posto e patente
A legislação militar estabelece que oficiais só podem perder posto e patente por decisão colegiada do Superior Tribunal Militar. O tribunal avalia não apenas a condenação penal prévia, mas também critérios como a dignidade do oficialato e a compatibilidade entre a conduta do acusado e os valores das Forças Armadas.
O procedimento não se resume a confirmar automaticamente a decisão do STF. O STM realizará seu próprio juízo, que pode incluir análise de provas, manifestações da defesa e parecer do Ministério Público Militar. A decisão final exige maioria absoluta entre os 15 ministros da Corte.
Historicamente, casos que chegaram ao STM trataram de crimes comuns, como homicídios ou corrupção. A análise relativa a crimes contra o Estado Democrático de Direito torna o processo excepcional. No entendimento de juristas ouvidos por O Globo, a eventual perda de posto e patente pode se tornar o episódio mais significativo de responsabilização militar desde a Constituição de 1988.
Efeitos sobre a carreira e a situação dos condenados
Se o STM decidir pela perda de posto e patente, os oficiais condenados serão excluídos definitivamente das Forças Armadas e perderão todos os direitos inerentes à carreira, incluindo soldo, prerrogativas e vínculos administrativos. No caso de Bolsonaro, que se aposentou como capitão, isso significaria a perda de seu status militar formal e dos rendimentos associados.
Além disso, a decisão terá impacto simbólico sobre a imagem institucional das Forças Armadas, que desde 2023 têm buscado se distanciar dos episódios relacionados ao 8 de janeiro e às articulações golpistas.
Caso o STM rejeite a perda de posto e patente, os condenados permanecerão nos quadros militares, mas seguirão obrigados a cumprir as penas definidas pelo Supremo.
Próximos passos
O STM só poderá julgar o caso após o envio formal do STF ao Ministério Público Militar. A partir daí, o processo seguirá o rito previsto no regulamento interno do tribunal, com possibilidade de alegações finais, sustentação oral e sessão plenária.
Para analistas, o desfecho será decisivo para avaliar o alcance institucional das condenações impostas pelo STF. O julgamento também será acompanhado de perto pelo governo federal, pelas Forças Armadas e por setores políticos envolvidos nas discussões sobre o papel dos militares na democracia brasileira.