“Não há nenhuma razão de natureza política, estratégica, econômica que justifique a presença de empresas estatais no Brasil”, disse Maílson Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, em entrevista à Globonews. Para ele, até a Petrobras poderia ser entregue ao setor privado, porque o país “já não precisa mais de estatais”. É a expressão mais cristalina da visão neoliberal que domina parte da elite econômica e pauta boa parte da cobertura jornalística sobre o tema.
Essa declaração não aparece isolada. Ela ajuda a compor o clima político e ideológico que molda a forma como a imprensa interpreta — e distorce — os dados fiscais, preparando o terreno para transformar qualquer dado parcial em narrativa alarmista contra as empresas públicas.
E há outro detalhe que a imprensa neoliberal jamais menciona: o exemplo da China. Lá, as empresas estatais formam a espinha dorsal da economia, representam parcela significativa do PIB, sustentam investimentos em infraestrutura, mantêm o desemprego baixo e permitem que a carga tributária sobre empresas e cidadãos seja muito menor que a brasileira. As estatais chinesas não são vistas como problema, mas como instrumentos estratégicos de desenvolvimento. Lucrativas, financiadoras do crescimento e fundamentais para amortecer crises, representam a antítese completa da narrativa vendida aqui.
É nesse ambiente que a imprensa neoliberal se finge de sonsa.
Ela usa um dado do Banco Central que fala em “estatais federais”, mas exclui Petrobras, Banco do Brasil, Caixa, BNDES e todo o sistema financeiro público. Mesmo assim, transforma esse recorte em narrativa sobre um suposto rombo generalizado.
O número divulgado vem de uma linha da tabela de Necessidades de Financiamento do Setor Público. Essa linha inclui apenas cerca de vinte estatais não dependentes, criadas para fins fiscais e não para representar o panorama real das empresas públicas brasileiras.
No acumulado de janeiro a outubro, esse recorte mostra déficit de aproximadamente seis bilhões de reais, apenas 0,06% do PIB. O valor vem caindo: estava em 0,08% do PIB em julho e recuou para 0,07% em agosto e setembro.
O indicador ideal para avaliar tendência fiscal é o acumulado em doze meses. Até outubro de 2025, esse mesmo grupo restrito registra déficit de cerca de oito bilhões de reais, em torno de 0,05% do PIB. Número quase irrelevante diante do déficit nominal total do setor público: 1 trilhão e 24 bilhões de reais, equivalente a 8,18% do PIB.
Antes que os alarmistas tentem usar esse dado para brandir seu terrorismo fiscal, é preciso observar a trajetória. Em outubro de 2024, o déficit nominal estava em 9,40% do PIB. Mesmo com juros mais altos hoje, o governo está conseguindo estabilizar e melhorar as contas públicas.
No auge da pandemia, em 2020, o déficit nominal chegou a 13,48% do PIB. A tendência tem sido de estabilidade e queda, resultado direto do esforço fiscal do governo em ambiente de juros elevados.
As previsões do mercado sugerem estabilidade em 2026 e queda para 7% em 2027 e 2028.
Dentro do pequeno grupo de estatais incluídas no recorte, o resultado negativo é puxado principalmente pelos Correios. A empresa sofre impactos profundos da mudança tecnológica: queda do volume de cartas, avanço de serviços digitais e competição privada intensa. Em 2024, registrou déficit próximo de três bilhões e duzentos milhões de reais.
A Infraero também contribui de forma marginal, após perder receitas com a concessão de aeroportos. As demais empresas apresentam resultados positivos ou estáveis. O governo já está ajustando os Correios para adequar a empresa ao novo ambiente tecnológico e operacional.
Quando se olha o universo completo das estatais federais, a narrativa do “rombo” simplesmente desmorona.
Segundo o Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais 2025, ano-base 2024, as 44 empresas estatais de controle direto registraram lucro líquido de 116,6 bilhões de reais. Realizaram 96 bilhões em investimentos. Faturaram 1,3 trilhão. E pagaram 152,5 bilhões em dividendos e juros sobre capital próprio, dos quais 72,1 bilhões foram diretamente para a União.
A Petrobras sozinha distribuiu 100,7 bilhões em dividendos no ano. Os bancos públicos somaram 79,6 bilhões em lucro. São esses números que somem das manchetes que tentam vender a ideia de que o setor estatal está quebrado.
Aqui que entra um ponto importante. O governo divulga os números completos, mas apenas em relatórios anuais, publicados muito tempo depois do ano fiscal encerrado. É um erro estratégico. A Sest já possui o método, os sistemas e as bases de dados para consolidar o desempenho das estatais. Nada impede que o governo publique relatórios mensais abrangendo todas elas — inclusive Petrobras e bancos públicos. Isso desmontaria preventivamente as narrativas alarmistas e impediria a imprensa de transformar um recorte limitado em verdade oficial.
O que existe, de fato, é um problema localizado nos Correios, agravado por um choque tecnológico profundo. O restante é narrativa ideológica destinada a desqualificar empresas públicas que são lucrativas, estratégicas e essenciais para o desenvolvimento do país.
As estatais brasileiras, no conjunto, dão lucro, investem, geram empregos e devolvem recursos substanciais ao Tesouro. Elas ajudam a evitar aumentos de impostos e sustentam áreas estratégicas da economia. O suposto “rombo das estatais” não passa de uma fake news cuidadosamente construída, com finalidade política muito clara.