Em um ato de agressão sem precedentes, que ignora o direito internacional e a própria Constituição dos Estados Unidos, o presidente Donald Trump declarou unilateralmente neste sábado, 29 de novembro de 2025, o espaço aéreo da Venezuela como “fechado em sua totalidade”. A declaração, feita através de sua plataforma Truth Social, é um ato de guerra explícito, tomado sem a autorização do Conselho de Segurança da ONU – única entidade que poderia legitimar tal medida – e sem a aprovação do Congresso americano, requisito legal para qualquer declaração de guerra.
O post de Trump é dirigido a “todas as companhias aéreas, pilotos, traficantes de drogas e traficantes de pessoas”, uma escalada retórica que coloca a aviação civil no mesmo patamar de organizações criminosas e serve como pretexto para uma intervenção militar. Este ato solitário de Trump não é apenas ilegal, mas revela o cinismo sem limites de um império que utiliza a narrativa da “guerra às drogas” como um instrumento flexível de sua política externa, aplicado com fúria contra seus adversários e com clemência para seus aliados.
A hipocrisia desta declaração de guerra se torna grotesca quando contrastada com as ações de Trump apenas 24 horas antes. Na sexta-feira, às vésperas das eleições em Honduras, Trump prometeu publicamente o perdão presidencial a Juan Orlando Hernández, o ex-presidente hondurenho condenado por um júri em Nova York a 45 anos de prisão. O crime de Hernández não foi trivial: ele foi o pivô de uma das “maiores e mais violentas conspirações de narcotráfico do mundo”, segundo o próprio Departamento de Justiça dos EUA, facilitando a importação de mais de 400 toneladas de cocaína para os Estados Unidos – o equivalente a 4,5 bilhões de doses.
Enquanto Trump acusa a Venezuela de “narcoterrorismo” sem apresentar uma única prova, ele se prepara para perdoar um narcotraficante condenado pela justiça americana por inundar o país com drogas. A mensagem é clara: para os aliados dos EUA, o narcotráfico em escala industrial é perdoável; para os adversários, a mera acusação, mesmo que infundada, justifica um ato de guerra. A “guerra às drogas” é, portanto, uma farsa, uma ferramenta geopolítica para punir a desobediência e recompensar a subserviência.
Este duplo padrão não é um desvio, mas a própria essência da política externa imperial. Ele se manifesta na forma como a mídia ocidental e os governos tratam diferentes violações de direitos humanos. Uma médica venezuelana é condenada a 30 anos de prisão por um áudio de WhatsApp criticando o governo, e o caso, corretamente, gera manchetes na BBC e em outros veículos como um exemplo de autoritarismo. No entanto, a mesma indignação se dissipa quando se trata dos aliados estratégicos do Ocidente.
Na Arábia Saudita, um regime que executou 345 pessoas em um único ano e que ordenou o assassinato e esquartejamento do jornalista Jamal Khashoggi, a régua é outra. O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, o mandante do crime segundo a própria inteligência americana, não é tratado como um pária, mas como um “reformador”, recebendo apertos de mão e contratos bilionários de armas. O governo Biden, seguindo a tradição de Trump e Obama, protegeu ativamente MBS de qualquer consequência legal pelo assassinato.
O mesmo cinismo se aplica à cobertura sobre Israel. A mesma BBC que se escandaliza com a prisão na Venezuela frequentemente minimiza ou ignora a realidade dos palestinos, que são presos por anos sem julgamento, torturados e mortos por um sistema de apartheid militar. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, responsável por crimes de guerra, é recebido com aclamação na Casa Branca.
A declaração de guerra de Trump contra a Venezuela, portanto, não pode ser vista como um ato isolado. Ela é o ápice de uma longa história de hipocrisia, onde os conceitos de “direitos humanos”, “democracia” e “guerra às drogas” são esvaziados de seu significado e transformados em armas contra aqueles que desafiam a hegemonia americana. O perdão a um narcotraficante aliado enquanto se declara guerra a um adversário sob o mesmo pretexto não é apenas cinismo; é a confissão de que, para o império, não existem princípios, apenas interesses.