A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro criticou neste domingo (30) a articulação do PL do Ceará para se aproximar do ex-governador Ciro Gomes (PSDB). As declarações ocorreram durante o lançamento da pré-candidatura do senador Eduardo Girão (Novo) ao governo do estado e expuseram divergências internas na sigla em meio às definições para 2026.
Michelle reagiu após a leitura, no palco, de uma notícia segundo a qual Ciro afirmou estar “orgulhoso” de ter redigido a ação que levou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a tornar Jair Bolsonaro inelegível em 2023. Diante do público, a ex-primeira-dama afirmou que a condução do movimento foi “apressada” pela direção estadual do PL.
“Tenho orgulho de vocês, mas não dá para fazer aliança com alguém que é contra o maior líder da direita. Vamos trabalhar para eleger o Girão. Vocês se precipitaram nessa aliança”, disse Michelle, em referência à cúpula local da sigla.
A crítica atinge diretamente o presidente estadual do PL, deputado federal André Fernandes, responsável pela aproximação com o ex-governador cearense e pela interlocução com lideranças do PSDB no estado.
André Fernandes sustenta ter aval de Jair Bolsonaro
Após o evento, André Fernandes respondeu às declarações da ex-primeira-dama e afirmou que a movimentação foi comunicada a Jair Bolsonaro antes da prisão do ex-presidente. Ele também mencionou apoio do presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto.
Segundo Fernandes, o próprio Bolsonaro teria orientado o diálogo com Ciro. “No dia 29 de maio, Bolsonaro pediu que ligássemos para Ciro no viva-voz. Ali foi acertado o apoio”, afirmou.
A fala, porém, ocorre num momento em que aliados próximos de Michelle avaliam que ela deseja ter maior influência sobre as decisões estratégicas do partido, especialmente no Nordeste, onde tenta expandir sua presença política. A reação pública indica incômodo crescente com a condução do diretório estadual.
Nos bastidores, integrantes do PL relatam que a ex-primeira-dama vê com reservas a atuação de Fernandes, inclusive pelo fato de ele articular a candidatura do pai, pastor Alcides Fernandes, ao Senado em 2026. O movimento é interpretado por parte da sigla como um esforço para ampliar seu próprio grupo de influência.
Michelle já havia demonstrado desconforto dias antes, quando compartilhou um vídeo com declarações de Ciro Gomes atacando Jair Bolsonaro.
Ciro busca reposicionamento político no Ceará
A tentativa de aproximação entre o PL cearense e Ciro Gomes ocorre num momento de reconfiguração das forças políticas no estado. Ex-ministro e ex-governador, Ciro deixou o PDT e se filiou ao PSDB em novembro. Ele é cotado como possível candidato ao governo do Ceará em 2026, o que o colocaria em rota de colisão com o atual governador Elmano de Freitas (PT), que deve tentar a reeleição.
O gesto do PL representa um movimento tático: além de enfraquecer o PT no estado, poderia atrair um nome competitivo para uma disputa majoritária. No entanto, a estratégia abriu fissuras na direita, especialmente entre lideranças ligadas ao bolsonarismo.
A resistência de Michelle ocorre porque Ciro foi um dos principais opositores de Jair Bolsonaro e admite ter colaborado diretamente com a ação que levou à inelegibilidade do ex-presidente. Líderes do PL avaliam que a associação com o ex-governador pode dificultar a mobilização da base bolsonarista em 2026.
Michelle é tratada como possível candidata nacional
Apesar da tensão, Michelle foi tratada como potencial candidata à Presidência durante o evento. O ex-deputado Deltan Dallagnol (Novo-PR), que participou da cerimônia, utilizou o termo “presidenciável” ao citá-la, mencionando também o governador mineiro Romeu Zema como nomes que podem disputar em 2026.
A menção ocorre num momento em que o bolsonarismo discute abertamente quem liderará o campo político após a prisão de Jair Bolsonaro. A ex-primeira-dama é vista por parte da direita como figura capaz de ocupar esse espaço, embora setores da sigla defendam que o nome do grupo seja definido internamente.
A disputa envolve ainda o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que mantém interlocução com lideranças do centro e tenta ampliar sua base de apoio nacional.
Divisões internas e desafios para alianças regionais
O episódio no Ceará expõe divergências mais amplas no PL sobre alianças regionais e sobre o posicionamento do partido rumo a 2026. Lideranças nacionais da sigla defendem pragmatismo para conquistar governos estaduais, enquanto parte do bolsonarismo prefere alianças somente com figuras alinhadas ideologicamente.
No estado, a candidatura de Eduardo Girão soma mais um elemento às tensões. Girão tenta unificar setores conservadores, mas enfrenta resistência de lideranças locais que já defendiam acordos mais amplos antes da reação de Michelle. A intervenção pública da ex-primeira-dama tende a pressionar o diretório estadual a reavaliar suas decisões.
A direção nacional do PL ainda não se manifestou sobre a divergência, mas assessores próximos de Valdemar Costa Neto afirmam que a sigla pretende evitar uma crise pública prolongada num momento considerado sensível para a reorganização política interna.