A decisão de Latam e Gol de oferecer tarifa internacional sem mala de mão levantou preocupações sobre desigualdade, transparência e respeito ao Código de Defesa do Consumidor
A decisão das companhias aéreas Latam e Gol de lançar uma nova categoria de tarifa internacional — que exclui o transporte de mala de mão e permite apenas uma bolsa ou mochila pequena sob o assento — acendeu um alerta no Ministério da Justiça e Segurança Pública. A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) divulgou uma análise contundente sobre os efeitos desse modelo, apontando riscos de retrocessos nas garantias básicas dos passageiros e possíveis distorções no preço final das passagens.
Medida pode aprofundar desigualdades
Segundo a avaliação do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), a mudança tende a criar um ambiente ainda mais desigual no acesso ao transporte aéreo. As novas tarifas beneficiam essencialmente um perfil de viajante com maior poder aquisitivo — pessoas que se deslocam com pouca bagagem, como passageiros corporativos e clientes frequentes que já concentram vantagens no setor.
Para a maioria dos consumidores, especialmente aqueles que dependem do transporte de itens pessoais ou viajam em família, o impacto é direto. Além de pagar pela mala despachada, esse público pode enfrentar limitações que inviabilizam levar consigo objetos essenciais, tornando o deslocamento mais caro e menos seguro. A Senacon aponta que essa “dupla penalização” aprofunda diferenças que já marcam o acesso ao transporte aéreo no país.
Risco de aumento disfarçado de preços
A Secretaria também chama atenção para um possível efeito colateral: a retirada da mala de mão não tem garantido, até agora, qualquer redução proporcional no valor da passagem. Caso o preço permaneça igual ao de antes da mudança, o passageiro pode acabar pagando o mesmo por um serviço menor — uma situação que, segundo o órgão, se aproxima do fenômeno conhecido como “reduflação”.
“Nesse cenário, o passageiro pagaria o mesmo valor por um serviço reduzido, situação que pode caracterizar prática abusiva ou método comercial desleal, conforme prevê o CDC. A Nota Técnica compara esse fenômeno à ‘reduflação’, quando produtos mantêm o preço, mas diminuem de tamanho ou quantidade, exigindo alertas de transparência ao consumidor”, explica o secretário nacional do Consumidor, Paulo Henrique Pereira.
Para a Senacon, o caso exige atenção redobrada, já que o modelo pode mascarar aumentos e ampliar desequilíbrios entre empresas e passageiros — justamente o tipo de distorção que o Código de Defesa do Consumidor busca coibir.
Direito essencial pode estar sendo restringido
Outro ponto sensível é o caráter essencial da bagagem de mão. A Resolução nº 400/2016 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) assegura que o consumidor tem direito a transportar gratuitamente até 10 quilos junto a si. Contudo, ao limitar as dimensões da mochila ou bolsa permitida, as novas tarifas podem, na prática, impossibilitar o exercício desse direito em viagens internacionais de longa duração.
“As dimensões reduzidas permitidas na nova tarifa podem, na prática, impedir o transporte dos 10 kg garantidos por norma da Anac, configurando medida desproporcional”, acrescenta o secretário.
Esse tipo de limitação afeta especialmente quem precisa manter consigo medicamentos, documentos, eletrônicos e outros itens de uso contínuo — e pode gerar situações de insegurança e desconforto durante o trajeto.
Falta de transparência também preocupa
A Senacon destaca ainda que as regras de cada tarifa devem ser apresentadas de forma clara, acessível e destacada, sem induzir o consumidor ao erro. Embora as aéreas tenham encaminhado informações ao DPDC, a análise técnica identificou falhas no site da Gol, que não apresenta com clareza as dimensões permitidas para a bagagem na nova modalidade. O órgão determinou que a inconsistência seja corrigida imediatamente.
Para além da discussão pontual, a Senacon reforça que o debate sobre bagagem de mão deve seguir um caminho próprio e não ser misturado a outros tópicos em pauta no setor, como regras de cancelamento (“no-show”) ou cobrança pela escolha de assentos. Cada um desses temas tem impacto distinto e precisa de avaliação separada, garantindo coerência regulatória e segurança jurídica.
Recomendações ao setor aéreo
A orientação final da Senacon é direta: as companhias aéreas precisam reavaliar suas políticas de bagagem e assegurar total transparência ao consumidor. Isso significa disponibilizar informações claras, visíveis e acessíveis — antes da compra — para que o passageiro saiba exatamente o que está incluído em cada tarifa.
Com a pressão crescente sobre o custo das viagens e a busca por competitividade no setor, o órgão lembra que práticas abusivas não podem ser normalizadas. A clareza das regras e o respeito aos direitos básicos são condições mínimas para garantir que o transporte aéreo não se torne um privilégio, mas sim um serviço acessível e justo para todos.
Com informações do Ministério da Justiça*