Tio Sam não consegue mais enganar o mundo

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As disputas geopolíticas do século XXI não se travam apenas com tanques e tarifas. Travam-se, principalmente, com narrativas. E, nesse campo, os Estados Unidos acabam de sofrer uma derrota constrangedora.

Nos últimos anos, Washington investiu pesado para impor ao mundo a ideia de que a China comete “graves violações de direitos humanos” em Xinjiang. A estratégia foi clara: acuar Pequim, aproximar-se do mundo muçulmano e usar o discurso de direitos humanos como arma diplomática. Mas o resultado de 2025 revela justamente o contrário. A narrativa ocidental colapsou diante da realidade da política internacional.

A mais recente tentativa de reavivar o tema veio com a Declaração Conjunta sobre a Situação de Direitos Humanos na China, divulgada pelos EUA na ONU. Um documento frágil, sem eco global e assinado por apenas 14 países além de Washington — um bloco que representa míseros 7% da população mundial.

Entre os signatários, está Israel, presença que dispensa explicações sobre o grau de seletividade moral envolvido nessa suposta defesa da “população muçulmana”. No mais, o grupo reúne pequenos países europeus, Austrália, Japão, Paraguai, Ucrânia e Reino Unido. Ausências gritantes: Canadá, Nova Zelândia e quase toda a Europa Ocidental. Até aliados históricos de Washington preferiram ficar de fora.

O recado internacional é cristalino: o mundo não compra mais narrativas empurradas a fórceps por Washington.

Do outro lado, a China respondeu com firmeza. Apresentou sua própria declaração, Opposing the Politicization of Human Rights, assinada por impressionantes 85 países — quase metade da população global — denunciando a instrumentalização dos direitos humanos como arma geopolítica e a interferência ocidental nos assuntos internos de outros Estados.

A composição dessa coalizão pró-China diz tudo. Ela inclui a esmagadora maioria dos países muçulmanos: Egito, Arábia Saudita, Irã, Nigéria, Paquistão, entre outros. Já do lado dos EUA, o único país de maioria muçulmana é a Albânia. A comparação é devastadora.

Em outras palavras: quando o Ocidente tentou usar Xinjiang como ponte para recuperar influência no mundo islâmico, o que conseguiu foi unir esse mundo… contra os Estados Unidos.

O contraste histórico deixa ainda mais evidente o declínio da força diplomática ocidental. Em 2023, uma declaração semelhante organizada pelos EUA sobre Xinjiang reuniu 51 países. Agora, minguou para 15. Enquanto isso, a resposta chinesa cresceu de 72 signatários para 85.

Há aqui um movimento geopolítico profundo: a rejeição da tutela moral do Ocidente. Países cansaram de serem pautados por uma potência responsável por Guantánamo, invasões, ocupações, sanções unilaterais e destruição de sociedades inteiras sob pretextos humanitários.

A inclusão de Israel no documento dos EUA torna tudo ainda mais absurdo. Um país que conduz bombardeios e expulsões sistemáticas de palestinos, incluindo muçulmanos, assina uma carta que se diz preocupada com minorias muçulmanas na China. O duplo padrão atinge níveis que beiram a caricatura.

A reação nas redes sociais amplificou o desgaste. Usuários destacaram que a tentativa ocidental de demonizar Xinjiang transformou a região em destino turístico de milhões, graças à abertura chinesa. Outros chamaram o esforço dos EUA de “fracasso épico”, enquanto cidadãos de países signatários — como a Austrália — expressaram vergonha pela adesão automática aos interesses de Washington.

O que está em jogo não é apenas Xinjiang. É o deslocamento do eixo da legitimidade internacional. Em um mundo multipolar, países do Sul Global rejeitam narrativas prontas e exigem respeito à soberania, ao diálogo e ao desenvolvimento comum. A China tem se posicionado nesse terreno; os EUA, cada vez menos.

A disputa na ONU mostra que a velha fórmula do “Ocidente como árbitro moral” não funciona mais. As coalizões diminuem, a retórica perde força, e a tentativa de isolar a China termina destacando o isolamento dos próprios Estados Unidos.

No final, quem resume melhor o cenário é o observador que inspirou este texto. Como destacou Arnaud Bertrand, em análise publicada no X, a tentativa americana de instrumentalizar Xinjiang como bandeira moral “acabou iluminando justamente o abismo entre o discurso ocidental e suas práticas reais”.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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