Mercado aquecido leva geração elétrica a novo ponto de virada

Especialistas veem nos próximos LRCAPs de 2026 a chance de antecipar gargalos, garantindo segurança ao suprimento e alinhamento com uma transição mais planejada e equilibrada / Reprodução

A alta dos preços e a instabilidade hidrológica reposicionam a geração elétrica, abrindo espaço para investimentos em ativos flexíveis capazes de responder rapidamente ao consumo


O avanço constante dos preços da energia no país começa a redesenhar o futuro do setor elétrico brasileiro. A avaliação é de Fred Menezes, CEO da consultoria e comercializadora Armor Energia, que acredita que esse movimento — impulsionado pela maior volatilidade hidrológica, pelo crescimento acelerado da demanda e pela necessidade urgente de modernizar a infraestrutura — tende a abrir espaço para novos investimentos em geração no longo prazo.

Segundo o executivo, a transição energética e os custos associados às tecnologias mais limpas também pressionam os valores de mercado, criando um ambiente em que determinados ativos passam a ganhar importância estratégica.

Flexibilidade passa a ser palavra-chave

Menezes destaca que o cenário abre oportunidades especialmente para usinas capazes de operar com rapidez, ajustando a produção quase instantaneamente. “Esse cenário cria condições favoráveis para ativos capazes de oferecer flexibilidade operacional, isto é, iniciar e interromper a produção de energia rapidamente, atendendo com eficiência à demanda de ponta”, afirmou à BNamericas.

O paradoxo do momento brasileiro é claro: mesmo com sobra de energia — resultado da expansão acelerada das renováveis, sobretudo eólica e solar — o sistema convive com oscilações cada vez mais frequentes na oferta dessas fontes intermitentes. Quando o vento diminui ou o sol some, cresce a necessidade de recursos que compensem a variação.

“Nesses momentos, são os ativos de geração flexíveis que assumem papel crucial, fornecendo energia de maneira imediata e garantindo a estabilidade da rede”, explicou o CEO.

O que ganha força no novo desenho do setor

Dentro desse contexto, Menezes aponta quatro grupos de ativos que devem se tornar protagonistas:

Usinas termelétricas a gás natural de ciclo aberto (OCGT): com partida extremamente rápida, estão entre as mais indicadas para responder a picos de demanda em poucos minutos;
Usinas hidrelétricas com reservatório: além da geração de base, têm versatilidade para modulação quase instantânea, equilibrando o sistema em momentos críticos;
Baterias e sistemas de armazenamento de energia: ainda pouco representativos na matriz, mas crescendo à medida que os custos tecnológicos caem, oferecendo resposta imediata;
Pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) com capacidade de modulação: mesmo com menor porte, ajudam no ajuste fino em regiões específicas.

“Esses ativos ganham relevância em um contexto de preços ascendentes, pois conseguem capturar oportunidades de remuneração nos horários de maior valor da energia, os momentos de ponta, garantindo retorno mais robusto ao investidor”, afirmou Menezes.

Leilões previstos para 2026 trazem novo fôlego

O governo federal planeja realizar, em 2026, dois Leilões de Reserva de Capacidade (LRCAPs): um dedicado a termelétricas e hidrelétricas e outro focado em baterias. A sinalização é vista por especialistas como tentativa de antecipar gargalos e garantir maior segurança ao sistema — algo que, na avaliação de analistas do setor, dialoga diretamente com a visão de uma transição energética mais equilibrada e planejada.

Matriz em transformação

Hoje, a capacidade instalada centralizada do Brasil soma 248 GW, segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS). A distribuição atual inclui:

  • 108,7 GW de hidrelétricas
  • 34,3 GW de eólicas
  • 18,9 GW de solares
  • 17,7 GW de térmicas a gás e/ou GNL
  • 15,5 GW de biomassa
  • 2,9 GW de carvão
  • 2,5 GW de óleo/diesel
  • 1,99 GW de nucleares
  • 184 MW de outras fontes

Além disso, a geração distribuída — quase totalmente solar — já soma 45,6 GW, impulsionada pelo avanço dos sistemas fotovoltaicos instalados diretamente pelos consumidores.

O ONS projeta que, até 2029, a soma da geração solar (centralizada e distribuída) com a eólica deverá atingir 46,5% da potência nacional, um salto expressivo frente aos 39,9% atuais.

Um setor em ebulição

À medida que preços mais altos se tornam uma tendência e a matriz brasileira avança rumo a uma participação cada vez maior de renováveis, cresce a percepção de que o país precisa reforçar sua “espinha dorsal” elétrica. Para Menezes, ativos flexíveis — historicamente vistos como suporte — passam a ocupar posição estratégica.

No pano de fundo, o debate sobre planejamento energético e segurança no suprimento ganha força, especialmente entre setores que defendem uma transição justa, capaz de equilibrar sustentabilidade, custo e confiabilidade.

O Brasil, mais uma vez, se vê diante de uma encruzilhada: transformar sua vantagem renovável em desenvolvimento sólido e estável ou conviver com riscos crescentes. Os próximos anos dirão se o país saberá aproveitar a oportunidade.

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