A alta dos custos e a instabilidade climática pressionam o sistema elétrico, abrindo espaço para tecnologias flexíveis capazes de garantir segurança ao abastecimento
O Brasil se move em duas velocidades cruciais para seu destino. De um lado, os ponteiros do relógio do setor elétrico aceleram, pressionados por preços em alta e pela urgência de uma transição energética que não pode vacilar. De outro, os indicadores sociais começam a se mover na direção certa, após anos de paralisia, apontando para um resgate da dignidade como fundamento do desenvolvimento. Estas não são dinâmicas separadas, mas faces da mesma moeda: não há futuro energético seguro para um país mergulhado na desigualdade, e não há prosperidade social sem uma matriz robusta que sustente a retomada da indústria e gere empregos de qualidade.
A constatação de Fred Menezes, CEO da Armor Energia, é um alerta técnico que ecoa como um aviso social: os preços ascendentes da energia estão redesenhando o futuro do setor. Esse movimento, impulsionado pela volatilidade hídrica – uma ironia cruel para um país tropical –, pelo crescimento da demanda e pela necessidade premente de modernizar uma infraestrutura por vezes obsoleta, está criando um novo mapa de oportunidades.
O paradoxo é evidente: temos sobra de energia renovável, com vento e sol entrando de forma vigorosa na matriz, mas convivemos com a intermitência dessas fontes. Quando o céu escurece ou o ar fica quieto, a luz não pode se apagar. A conta desse risco já está chegando, mais cara, para todos.
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Flexibilidade: a nova palavra de ordem para evitar um apagão social
Neste cenário, como aponta Menezes, a palavra-chave deixa de ser apenas “renovável” e passa a ser “flexibilidade”. O sistema precisa de ativos que possam ligar e desligar rapidamente, atuando como um amortecedor essencial para os solavancos da natureza.
Usinas termelétricas a gás de partida rápida, hidrelétricas com reservatório que possam modular sua força, baterias de armazenamento e pequenas centrais hidrelétricas ganham um valor estratégico renovado. Eles são o seguro, o colchão de segurança de um sistema que se quer verde, mas não pode ser frágil.
Esta não é uma defesa do retrocesso, mas do planejamento inteligente. A transição energética justa, bandeira histórica da esquerda brasileira, não pode ser um salto no escuro. Ela exige um Estado planejador, que antecipe gargalos.
É sintomático que o governo federal já sinalize a realização de Leilões de Reserva de Capacidade em 2026, focados justamente em termelétricas, hidrelétricas e baterias. É um reconhecimento tácito de que a segurança do abastecimento é um pilar não negociável da soberania nacional e da proteção aos mais vulneráveis, os primeiros a sofrer com a instabilidade.
O alicerce social: sem distribuição de renda, a energia não chega a todos
É aqui que a outra velocidade do Brasil se mostra fundamental. De que adianta discutir megawatts e flexibilidade operacional se uma parcela significativa da população ainda luta para colocar comida na mesa e pagar a conta de luz mais básica? A fala da ministra Esther Dweck, da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, ilumina este ponto crucial. O Brasil, em seu entendimento, retomou um ciclo de crescimento de qualidade, onde a expansão econômica anda de mãos dadas com a redução da pobreza e da desigualdade. “Voltamos a crescer com redução das desigualdades, o que é algo muito raro no Brasil”, afirmou ela.
Os números sustentam a análise: crescimento superior a todo o período anterior, com a formação bruta de capital fixo – o investimento em máquinas, equipamentos e infraestrutura – voltando a ser protagonista. O mercado de trabalho aquece, com recordes de emprego formal e a renda média do trabalhador subindo em termos reais, um feito após anos de erosão.
A mudança tributária recente, que isenta de Imposto de Renda quem ganha até cinco mil reais e tributa mais quem ganha mais, é um passo histórico na correção de uma injustiça secular. São R$ 28 bilhões que devem retornar ao bolso da base da pirâmide e movimentar a economia real, não a especulação financeira.
Esta agenda redistributiva não é um tema lateral ao setor elétrico. Ela é seu pré-requisito. Uma população com maior poder aquisitivo consome mais, sim, mas também pode investir em eficiência energética, em painéis solares nos telhados e em eletrodomésticos mais modernos. Um país que tira milhões da pobreza está, na verdade, construindo a resiliência de toda a sua sociedade. A ministra Dweck acerta ao vincular a crise climática a uma agenda de desenvolvimento, reindustrialização e geração de empregos de qualidade. O enfrentamento das mudanças do clima não pode ser um fardo, mas um vetor de inovação e justiça.
A encruzilhada: integrar ou fragmentar
O Brasil se encontra, portanto, em uma encruzilhada de alto risco e enorme potencial. O caminho a seguir exige integrar essas duas velocidades. O planejamento do setor elétrico, com seus investimentos em flexibilidade e segurança, precisa ser desenhado em sintonia fina com o projeto de desenvolvimento nacional.
As decisões sobre que energia construir, onde e com qual impacto socioambiental, não podem ser tomadas apenas pela lógica do curto prazo do mercado. Elas devem servir a um objetivo maior: garantir energia barata, limpa e confiável para alimentar as indústrias que estamos recuperando, para iluminar as escolas e hospitais públicos, e para sustentar a casa de cada família que está voltando a colocar a mesa farta.
A verdadeira transição energética que o Brasil precisa é dupla: a da matriz para fontes mais limpas e seguras, e a da sociedade para um patamar de menor desigualdade e maior dignidade. Uma não avança sem a outra. Construir usinas flexíveis é vital. Mas tão vital quanto é flexibilizar os corações e as políticas para garantir que o progresso técnico não seja um privilégio, mas uma luz que realmente alcance a todos.