Gigante da mineração anuncia bilhões em novos investimentos enquanto famílias de Brumadinho ainda buscam por justiça e respostas
Em um país marcado na carne e na memória pelos desastres de Mariana e Brumadinho, a palavra “investimento” da maior mineradora nacional ecoa de forma ambivalente. De um lado, promete desenvolvimento, riqueza e inserção global em mercados estratégicos. De outro, reacende o fantasma de um modelo que, no passado recente, mostrou seu lado mais brutal e negligente. A Vale S.A. projeta injetar entre 5,4 e 5,7 bilhões de dólares em suas operações até 2026, com a maior fatia, cerca de 4 bilhões, destinada ao seu carro-chefe: o minério de ferro. O plano, no entanto, vem carregado de um discurso de diversificação, com a promessa de um aumento gradual nos investimentos em cobre e níquel a partir de 2027.
Para quem observa de fora, os números podem parecer apenas uma movimentação financeira corporativa. Mas, no contexto brasileiro, cada dólar anunciado pela Vale deve ser lido à luz da história. A mesma empresa que hoje fala em “eficiência na alocação de capital” e “disciplina” era a controladora da Barragem 1 do Córrego do Feijão, em Brumadinho. Uma estrutura classificada como de “baixo risco” e “alto potencial de dano” que, em 25 de janeiro de 2019, rompeu-se e soterrou vidas, sonhos e um rio, tornando-se o maior acidente de trabalho em perda de vidas humanas no Brasil. Oficialmente, 272 pessoas perderam a vida. Quase seis anos depois, famílias ainda choram seus desaparecidos.
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A estratégia: ferro no presente, cobre no futuro
A apresentação aos investidores, conduzida pelo CEO Gustavo Pimenta, foi clara: foco no que se sabe fazer. “Estamos mais eficientes em termos de alocação de capital da companhia”, afirmou Pimenta, destacando uma redução de 1 bilhão de dólares nos investimentos previstos para 2025 sem, em sua visão, “deixar nada para trás”. O núcleo do negócio continuará sendo o minério de ferro, com produção estimada em 360 milhões de toneladas até 2030 e a expectativa de um preço estável em torno de 100 dólares a tonelada, impulsionado pela demanda global por aço.
O salto ambicioso, contudo, está no cobre. A Vale quer dobrar sua produção do metal em dez anos, saltando das 370 mil toneladas previstas para 2025 para 700 mil toneladas anuais em 2035. “Ninguém neste setor tem a capacidade de aumentar a produção de cobre como nós”, declarou o executivo, com a confiança de quem enxerga uma janela de oportunidade geopolítica e econômica. Especialistas veem aí uma chance real, ainda que modesta, de o Brasil ganhar relevância no cenário mundial do cobre, saindo do patamar atual de 1% da produção global para algo entre 2% e 3%.
Projetos como o Bacaba e o Alemão, no Pará, com licenças preliminares em trâmite e previsão de operação a partir de 2028, são os pilares dessa expansão. Enquanto isso, no níquel, a meta é crescer de 175 mil toneladas este ano para 250 mil em 2030, mesmo diante de um mercado pressionado por preços baixos.
O outro lado da moeda: quando a “eficiência” custa vidas
É impossível dissociar esses planos futuristas do rastro de destruição deixado tão recentemente. O discurso de otimismo financeiro soa como um eco distorcido das sirenes que não tocaram em Brumadinho. O relatório de investidores não menciona que, naquele janeiro de 2019, a “eficiência” deu lugar ao caos. Que a barragem que se rompeu não recebia rejeitos desde 2014 e que, apesar de um estudo interno de 2010 alertar para o risco de “liquefação” da estrutura, ela permanecia ativa, com um sistema de alerta que jamais foi acionado para a população.
O contexto daquela tragédia foi forjado em anos de desmonte institucional. Entre 2013 e 2018, o orçamento do Ministério do Meio Ambiente encolheu mais de 1,3 bilhão de reais. Órgãos fiscalizadores, como os de Minas Gerais, operavam com equipes minguadas. Um projeto para tornar as regras de barragens mais rígidas não avançou na assembleia legislativa mineira. Três semanas antes do rompimento, um novo governo federal chegava ao poder prometendo “flexibilizar” licenciamentos ambientais. Brumadinho não foi um acidente; foi o resultado previsível de uma política de desregulamentação e priorização do lucro sobre a segurança.
Investir em que futuro?
Carlos Daltozo, da Tuesday Capital, observa que o progresso da Vale em cobre e níquel pode parecer “um pouco lento”, mas atribui isso ao fato de a empresa ser “uma gigante global do minério de ferro”. É uma análise técnica, fria. A pergunta que fica, especialmente para as comunidades que vivem no entorno de novos projetos como Bacaba e Alemão, é outra: a lentidão se deve a uma necessária cautela operacional e um novo paradigma de segurança, ou é apenas o ritmo natural de quem prioriza o retorno financeiro?
A Vale tem, sim, a capacidade financeira e técnica para pavimentar um novo caminho para a mineração brasileira, como aponta Marcos André Gonçalves, da Agência para o Desenvolvimento e Inovação do Setor Mineral. Mas esse caminho precisa ser radicalmente diferente do que levou a lama até o Rio Paraopeba e matou 272 pessoas em Brumadinho. Investir bilhões em novos projetos sem que a sombra de Mariana e Brumadinho tenha sido verdadeiramente enfrentada – com reparação integral, justiça e uma transformação profunda na cultura de segurança – não é progresso. É apenas cavar mais fundo no mesmo solo instável.
O futuro que a Vale anuncia com números bilionários será, de fato, promissor apenas quando cada sirene instalada tocar a tempo, quando cada estudo de risco for soberano ao desejo de lucro, e quando o valor de uma vida humana for a métrica principal de seu “desempenho”. Até lá, os investimentos serão apenas números em um gráfico, incapazes de sepultar a lama do passado.