A Polícia Federal afirmou que o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Rodrigo Bacellar (União Brasil), avisou antecipadamente o deputado estadual Thiego Raimundo dos Santos Silva, conhecido como TH Joias, sobre a operação que o levaria à prisão. A informação foi revelada pelo colunista Octavio Guedes, do G1. Segundo a PF, o alerta permitiu que o parlamentar deixasse sua residência horas antes da chegada dos agentes, interferindo diretamente no andamento da Operação Zargun.
As investigações apontam que o vazamento contribuiu para a destruição de provas relevantes e criou obstáculos para a apuração das relações entre agentes públicos e organizações criminosas no Rio. Bacellar foi preso nesta quarta-feira (3) em desdobramento da mesma investigação, que agora avança sobre suspeitas de cooptação de autoridades por grupos criminosos.
PF identificou alerta após análise de materiais apreendidos
De acordo com a Polícia Federal, o envolvimento de Bacellar foi descoberto após a análise de materiais recolhidos em operações realizadas em setembro. As mensagens e registros verificados pelos investigadores indicam que TH Joias, ao receber o aviso prévio, organizou uma mudança para retirar evidências guardadas em casa, utilizando inclusive um caminhão-baú para transportar os objetos.
Ainda segundo Octavio Guedes, o parlamentar apagou os dados de seu celular, comprou um novo aparelho e, já com ele, enviou um vídeo a Bacellar perguntando se poderia deixar alguns itens na residência. Um dos objetos era um freezer. O presidente da Alerj teria respondido: “deixa isso, tá doido? Larga isso aí, seu doido”.
Para os investigadores, as imagens e mensagens reforçam o entendimento de que o alerta buscou impedir que a operação atingisse seu objetivo, permitindo que o suspeito se desfizesse de provas e evitasse a prisão no primeiro momento.
Mandados incluem prisão preventiva e buscas autorizadas pelo STF
A ação desta quarta-feira envolve o cumprimento de um mandado de prisão preventiva, oito mandados de busca e apreensão e um mandado de intimação para medidas cautelares diversas da prisão, todos autorizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A corte já havia determinado, no contexto da ADPF das Favelas (ADPF 635/RJ), que a Polícia Federal aprofundasse apurações sobre a atuação de grupos criminosos violentos e suas conexões com agentes públicos.
No dia da deflagração da Operação Zargun, em setembro, a Polícia Federal já havia informado que investigaria um possível vazamento, porque TH Joias deixou sua residência na noite anterior à ação. O deputado acabou sendo localizado posteriormente em outro endereço, o que reforçou a suspeita inicial de interferência.
Operação Zargun mira elo entre facção e agentes públicos
A Operação Zargun tem como foco investigar o uso do mandato parlamentar por TH Joias para favorecer o crime organizado. Em setembro, ele foi preso em um condomínio de luxo na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. As investigações indicam que o deputado atuava como intermediário em negociações de drogas, fuzis e equipamentos antidrones destinados ao Complexo do Alemão, área controlada pelo Comando Vermelho (CV).
Além disso, ele teria indicado a esposa de Gabriel Dias de Oliveira, o Índio do Lixão, apontado como traficante e também preso, para ocupar um cargo na estrutura da Alerj — o que, para os investigadores, evidencia o uso político de funções públicas em benefício direto de lideranças criminosas.
Na época, foram autorizados 18 mandados de prisão preventiva — 15 cumpridos — e 22 mandados de busca e apreensão, com diligências realizadas na Barra, na Freguesia e em Copacabana. Na sede da Alerj, agentes recolheram um malote com documentos e materiais, que agora integram a investigação sobre o vazamento de dados sigilosos.
Contexto: investigação sobre crime organizado e infiltração no poder público
A atuação da PF ocorre em um momento em que o Estado do Rio enfrenta sucessivas denúncias de infiltração de facções criminosas em estruturas políticas, administrativas e de segurança pública. Relatórios recentes apontam conexões entre lideranças do tráfico e agentes públicos, incluindo concessões de cargos, acesso privilegiado a informações e proteção institucional.
A ADPF 635, conhecida como ADPF das Favelas, reforçou o papel federal na investigação dessas conexões. O STF determinou maior rigor no monitoramento das ações policiais e na apuração de vínculos entre autoridades e facções, cenário que elevou a supervisão sobre operações como Zargun e seus desdobramentos.
Prisões e busca por provas devem ampliar escopo da investigação
Com a prisão de Bacellar e o aprofundamento das buscas, investigadores avaliam que a apuração pode atingir novos agentes públicos. A suspeita de que informações foram repassadas de dentro da estrutura do Legislativo fluminense amplia o alcance institucional da investigação.
Fontes próximas ao caso avaliam que o conteúdo de celulares, documentos apreendidos e trocas de mensagens deve revelar se houve outras interferências semelhantes, tanto na Zargun quanto em operações correlatas voltadas ao combate a facções no Rio.
A expectativa é que a PF avance nos próximos dias na identificação completa da cadeia de vazamentos e na responsabilização de todos os envolvidos — incluindo servidores, parlamentares e possíveis intermediários.