Enquanto australianas investem pesado em Minas Gerais, MPF pausa licenças e exige mais cautela; o país enfrenta o dilema entre o desenvolvimento acelerado e a proteção de seu povo e de seu território
O Brasil se vê, mais uma vez, diante de um daqueles momentos decisivos que definem o rumo de uma nação. De um lado, a promessa concreta de um investimento bilionário, da ordem de 655 milhões de dólares, para explorar um recurso estratégico para o futuro do planeta: as terras raras. Minerais essenciais para a produção de turbinas eólicas, veículos elétricos e uma infinidade de tecnologias verdes. Do outro, a memória recente e dolorosa de um passado onde a pressa pelo desenvolvimento deixou um rastro de lama, luto e destruição em Minas Gerais.
Duas mineradoras australianas, a Viridis Mining e a Meteoric, são as protagonistas desta nova encruzilhada. Com projetos localizados em solo mineiro – o Colossus, de 358 milhões de dólares, e o Caldeira, de 297 milhões –, elas representam a vanguarda de uma corrida global por minerais críticos. No entanto, o caminho para desbloquear essa riqueza não é mais um terreno aberto e sem questionamentos. Em novembro, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou a suspensão das análises de licenciamento ambiental dos projetos, pedindo novos estudos e consultas sobre riscos sociais e ambientais. A Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) atenderam à recomendação, travando momentaneamente o processo.
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Essa intervenção não é um mero formalismo burocrático. É um sinal de um país que, ainda se recuperando das feridas de Mariana e Brumadinho, se permite – ou deveria se permitir – ser mais cauteloso. É o reflexo de uma sociedade civil mais atenta e de instituições que, espera-se, aprenderam com a tragédia. A pausa imposta pelo MPF ecoa o clamor de comunidades que já sentem na pele o peso secular da mineração e exigem que, desta vez, suas vozes sejam ouvidas antes, e não depois, do estrago.
A confiança das empresas e a resistência das instituições
As empresas, no entanto, mantêm um otimismo inabalável. Seus discursos são de confiança no processo e na solidez técnica de seus estudos. Rafael Moreno, diretor da Viridis, afirma que o projeto Colossus “continua a se beneficiar de um forte apoio em todos os níveis do governo brasileiro” e vê a retirada temporária da pauta do Copam como um “procedimento padrão”. Ele garante que todos os pontos do MPF já foram respondidos no Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) e em audiências públicas, projetando confiantemente a retomada da análise para 19 de dezembro.
A Meteoric segue uma linha similar. Seu diretor, Stuart Gale, reconhece a frustração com o adiamento, mas sustenta que “o trabalho realizado pela nossa equipe sustenta a aprovação” da licença prévia. “Com base em nossa análise, não parece haver novos impedimentos”, completou, demonstrando fé na agilidade da retomada.
A postura das companhias é compreensível do ponto de vista do negócio. Elas apostam em um Brasil que, sob a gestão atual, mostra sinais robustos de recuperação econômica. O terceiro governo do presidente Lula registra a menor taxa média de desemprego (6,4%) desde o início da série histórica, com a renda média do trabalhador batendo recorde e crescendo 9,7% entre 2023 e setembro deste ano. Com a recente isenção do Imposto de Renda para quem ganha até cinco mil reais, a perspectiva é de que esse poder de compra continue a se expandir. A inflação, outro fantasma do passado recente, está sob controle, projetada para ser a menor em um período de quatro anos na história do país.
São números que desenham um cenário macroeconômico favorável e que, sem dúvida, atraem investimentos. O senador Humberto Costa (PT-PE) celebra este “momento histórico” de uma política econômica que, em suas palavras, “promoveu crescimento acima de qualquer previsão”. A senadora Augusta Brito (CE) reforça que estes “não são só números soltos”, mas representam “famílias que conseguiram voltar a pôr comida na mesa”.
O verdadeiro desenvolvimento é aquele que não repete erros
Aqui reside justamente o cerne do debate. O desenvolvimento econômico celebrado em Brasília precisa ser harmonizado, na prática, com a justiça social e ambiental nos territórios onde os projetos se instalam. Não basta gerar emprego e renda agregada no país se, localmente, o resultado for a degradação de nascentes, o assédio a comunidades tradicionais ou a repetição de um modelo extrativista que trata o meio ambiente como entrave.
O MPF, ao recomendar a pausa, age como um freio de arrumação necessário. Ele lembra a todos – governo, empresas e sociedade – que o licenciamento ambiental não é uma mera formalidade a ser cumprida, mas um instrumento crucial de proteção. A interrupção é um tempo precioso para se perguntar: os estudos são realmente robustos? As consultas às comunidades foram feitas de forma livre, prévia e informada? Os planos para eventuais passivos ambientais são sólidos e independentes?
O Brasil não pode abrir mão deste rigor. A exploração das terras raras, símbolo da transição para uma economia de baixo carbono, não pode nascer sob a sombra de velhas práticas predatórias. O país que recentemente saiu do Mapa da Fome e que recupera a renda de sua população não pode permitir que a busca por minerais do futuro comprometa a segurança hídrica e a qualidade de vida no presente.
A decisão que agora retorna ao Copam é mais do que técnica; é política e ética. As mineradoras australianas podem estar certas em sua confiança burocrática. Mas a confiança que o Brasil precisa construir é outra: a de seu povo, que exige, legitimamente, que a prosperidade anunciada não chegue, mais uma vez, acompanhada de lama e lamento. O verdadeiro recorde a ser batido não está apenas nos indicadores econômicos, mas na capacidade de desenvolver-se sem destruir, de crescer incluindo e protegendo. Este é o único caminho raro que vale a pena seguir.