O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta quinta-feira (4) que a decisão que restringe exclusivamente à Procuradoria-Geral da República (PGR) a legitimidade para apresentar pedidos de impeachment contra integrantes da Corte não tem o objetivo de blindar magistrados. A manifestação ocorre em meio à forte reação do Congresso Nacional e de lideranças políticas após a liminar que redefiniu o rito para denúncias por crime de responsabilidade.
As declarações foram dadas pouco antes da participação do ministro em um fórum sobre segurança jurídica realizado em Brasília. Gilmar Mendes reforçou que a medida atende à necessidade de compatibilizar a Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950) com a Constituição de 1988.
“Não se trata disso [proteger o Supremo]. Se trata de aplicar a Constituição, é isso que estamos fazendo. Tendo em vista que a lei, de alguma forma, já caducou. É de 1950, feita para regulamentar o impeachment no processo da Constituição de 1946. Ela já passou por várias constituições, e agora se coloca a sua discussão face à Constituição de 1988”, declarou o ministro.
Decisão de Gilmar altera regras e provoca reação no Congresso
A liminar concedida por Gilmar Mendes restringe à PGR — atualmente chefiada por Paulo Gonet — a prerrogativa de apresentar denúncias por crime de responsabilidade contra ministros do STF. Além disso, o ministro determinou que o Senado só pode iniciar um processo de impeachment caso a abertura seja aprovada por dois terços da Casa, o mesmo quórum exigido para condenação. A decisão suspende a tramitação de 66 pedidos acumulados no Senado desde 2021.
A medida foi imediatamente criticada por parlamentares. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), afirmou que uma decisão individual não pode redefinir regras previstas em legislação aprovada pelo Congresso. Senadores de diferentes partidos classificaram a liminar como interferência em prerrogativas do Legislativo e discutem acelerar projetos que limitam decisões monocráticas no STF.
Gilmar Mendes rebateu a interpretação de que a decisão representaria tentativa de proteção institucional e afirmou que a atualização da regra é necessária para evitar conflitos estruturais entre os Poderes. Segundo ele, a multiplicação de denúncias apresentadas por cidadãos, associações e parlamentares exige adequação do processo à Constituição vigente.
Moraes cita número de pedidos e afirma que volume tem crescido
Durante o mesmo evento, o ministro Alexandre de Moraes também comentou o assunto. Ele ressaltou que os pedidos de impeachment contra ministros do STF se tornaram frequentes e, na maioria das vezes, têm como base discordâncias em relação a decisões judiciais.
“Acho que há 50 pedidos de impeachment em relação ao Moraes, 16 em relação ao Dino e assim por diante. São números muito expressivos. Em geral, os impeachments têm alvo e foco nas ações judiciais”, afirmou Moraes. O ministro destacou que o debate sobre os limites do uso de instrumentos de responsabilização tem se intensificado nos últimos meses.
As manifestações de Gilmar Mendes e Moraes ocorrem em um momento de aumento da tensão institucional entre STF e Congresso, agravado pela tramitação de projetos que restringem decisões monocráticas e ampliam o controle parlamentar sobre o Judiciário.
Senado vê risco de concentração de poder na PGR
Parlamentares que reagiram à decisão afirmam que o novo modelo concentra excessivamente o poder na PGR. A avaliação é de que a liminar, na prática, impede qualquer forma de controle popular e parlamentar sobre os ministros da Corte, já que a Procuradoria teria autonomia total para apresentar ou não uma denúncia.
Aliados do presidente do Senado afirmam que a liminar altera o sistema de pesos e contrapesos previsto na Constituição. Para esse grupo, a prerrogativa do Senado de avaliar pedidos apresentados por cidadãos e parlamentares sempre funcionou como uma barreira política suficiente contra pedidos considerados infundados.
Impacto sobre processos existentes e julgamento no plenário
Com a decisão de Gilmar Mendes, os 66 pedidos de impeachment protocolados no Senado ficam suspensos até o julgamento do caso no plenário virtual do STF, marcado para ocorrer entre 12 e 19 de dezembro. A extensão dos efeitos da liminar dependerá da modulação que será definida pelo colegiado.
Especialistas consultados pela imprensa afirmam que a lógica do direito favorece a retroatividade de decisões que beneficiem acusados. Com isso, caso o plenário mantenha a liminar integralmente, todos os pedidos protocolados até hoje podem ser invalidados. Outros juristas ponderam que, até o julgamento final, os processos apenas ficam paralisados, sem extinção automática.
Discussão expõe debate sobre equilíbrio entre Poderes
A controvérsia em torno da decisão reabre discussões sobre o alcance do controle legislativo sobre integrantes do Judiciário. O impeachment de ministros do STF nunca ocorreu na história republicana, e apenas um magistrado foi afastado em 134 anos.
Para ministros do Supremo, a multiplicação de pedidos de impeachment por motivos relacionados a decisões judiciais constitui risco institucional, especialmente em períodos de maior polarização política. Já para parte do Senado, o novo entendimento reduz a participação democrática e diminui a autonomia do Legislativo.
As posições públicas de Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes deverão influenciar o ambiente político nas próximas semanas, enquanto o plenário do STF se prepara para julgar a liminar e definir os limites do processo de responsabilização de ministros da Corte.