A representação da Polícia Federal (PF) que embasou o pedido de prisão do presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Rodrigo Bacellar (União Brasil), detalha uma série de ações atribuídas ao parlamentar que, segundo os investigadores, buscavam interferir em operações sigilosas e proteger interesses do Comando Vermelho (CV). O documento foi citado na decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a prisão preventiva de Bacellar na quarta-feira (3), no âmbito da Operação Unha e Carne.
Segundo informações divulgadas pelo jornal O Globo, a PF afirma que Bacellar teve conhecimento antecipado da Operação Zargun — que mirava o deputado estadual Thiego Raimundo dos Santos Silva, o TH Joias — e que repassou alertas para impedir o cumprimento de mandados judiciais. Para os investigadores, essa conduta configura “ação obstrutiva” e teria como motivação preservar articulações políticas vinculadas à facção, que exerce domínio territorial em diversas comunidades do Rio.
PF afirma que Bacellar orientou retirada de objetos e interferiu em operação
No documento enviado ao STF, os agentes descrevem que Bacellar teria informado TH Joias sobre a proximidade da operação policial e orientado a retirada de itens de interesse da investigação. A PF concluiu que o deputado atuou para frustrar apreensões determinadas pela Justiça e influir diretamente no andamento da ação.
A representação também menciona que a interferência teria relação com a manutenção de conexões políticas com o Comando Vermelho. Segundo o texto citado por Moraes, essa relação se refletiria em capacidade de mobilização eleitoral: “se traduz em milhões de votos no pleito eleitoral que se avizinha”, em referência às eleições de 2026.
Operações revelam tentativa de expansão da influência política do Comando Vermelho
A Operação Zargun, deflagrada em setembro, já havia exposto parte da estratégia da facção para ampliar sua presença institucional por meio de alianças políticas. Entre os presos está Índio do Lixão, apontado pela PF como traficante responsável por movimentar cerca de R$ 120 milhões em cinco anos e identificado como braço direito de Luciano Martiniano da Silva, o Pezão, liderança do CV no Complexo do Alemão.
A PF indica que Índio atuava como uma espécie de tesoureiro da facção e era responsável por pagamentos ilícitos destinados a garantir proteção de policiais a integrantes da organização. Conversas interceptadas pela investigação mostram que o núcleo político do CV planejava lançar Índio como candidato a vereador em Duque de Caxias.
Em mensagens analisadas pelos agentes, Dudu — ex-assessor de TH Joias na Alerj — informa ao traficante que esteve com o deputado e com Alessandro Pitombeira Carracena discutindo cenários para a candidatura. A PF afirma que Carracena, ex-subsecretário estadual de Defesa do Consumidor, mantinha ligações com o núcleo da facção e recebia pagamentos para repassar informações sigilosas e atuar no interesse do grupo.
Carracena é acusado de repassar informações e interferir em órgãos públicos
Carracena ocupou cargos nos governos municipal e estadual do Rio, incluindo a Secretaria de Esporte e Lazer em 2022, na gestão de Cláudio Castro, e a Secretaria de Ordem Pública durante o governo Marcelo Crivella, em 2020. Ele está entre os presos por suspeita de interferir em políticas públicas em favor do Comando Vermelho.
O superintendente da PF no estado, Fábio Galvão, citou um episódio que, segundo os investigadores, demonstra a ingerência direta da facção na estrutura estatal. Galvão afirmou:
“Há um episódio da investigação que mostra quando uma unidade do Batalhão de Choque foi instalada na Gardênia, comunidade da Zona Oeste do Rio. Essa base atrapalhava o CV. O subsecretário recebeu uma ligação do TH, depois que ele havia falado com o Índio, e fez uma ingerência para retirar o batalhão de lá. Os criminosos conseguiram se infiltrar na polícia e na Assembleia Legislativa. Isso é muito perigoso”, disse.
TH Joias teria usado mandato para facilitar negociações e operações da facção
Preso em setembro em um condomínio de luxo na Barra da Tijuca, TH Joias é acusado pela PF de utilizar o mandato na Alerj para favorecer negociações de drogas, armas e equipamentos antidrones destinados ao Complexjo do Alemão. Ele era investigado desde o início do ano por suposta participação em articulações da facção com agentes públicos.
Segundo a PF, as operações envolveram esforços conjuntos da corporação com o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Rio de Janeiro e a Polícia Civil, dentro da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado.
Estrutura política ampliava proteção à facção, diz PF
O conjunto de provas reunidas pela investigação indica, segundo a PF, que o Comando Vermelho buscava ampliar sua influência institucional por meio de nomes com trânsito em diferentes órgãos públicos. A estratégia envolveria a atuação de parlamentares, servidores e agentes de segurança em posições estratégicas.
Para os investigadores, as ligações descritas no material enviado ao STF apontam para tentativa coordenada da facção de garantir proteção territorial, preservar sua estrutura de arrecadação e manter canais de influência que poderiam se refletir no processo eleitoral de 2026.