Assessor brasileiro afirma que o fechamento do espaço aéreo venezuelano por Trump equivale a um “ato de guerra” que pode escalar. Maduro afirma que o verdadeiro motivo da obsessão de Trump pela Venezuela é o petróleo – será que ele está certo?
Uma invasão ou ataque dos EUA à Venezuela poderia mergulhar a América do Sul em um conflito semelhante ao do Vietnã, alertou o principal assessor de política externa do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.
Em entrevista ao The Guardian, Celso Amorim classificou a recente decisão de Donald Trump de ordenar o fechamento do espaço aéreo venezuelano como “um ato de guerra” e expressou receios de que a crise possa se intensificar nas próximas semanas.
“A última coisa que queremos é que a América do Sul se torne uma zona de guerra – e uma zona de guerra que inevitavelmente não seria apenas uma guerra entre os EUA e a Venezuela. Acabaria por ter envolvimento global e isso seria realmente lamentável”, disse Amorim, diplomata veterano e ex-ministro nos dois primeiros dos três mandatos de Lula.
“Se houvesse uma invasão, uma invasão de verdade… acho que sem dúvida veríamos algo semelhante ao Vietnã – em que escala é impossível dizer”, acrescentou Amorim, que acreditava que até mesmo alguns inimigos do líder autoritário da Venezuela, Nicolás Maduro, estariam inclinados a se juntar à resistência contra tal intervenção estrangeira.
“Eu conheço a América do Sul… todo o nosso continente existe graças à resistência contra invasores estrangeiros”, disse Amorim, que previu que qualquer ataque dos EUA reacenderia o sentimento anti-americano na América Latina, semelhante ao gerado pela interferência dos EUA durante a Guerra Fria.
O diplomata brasileiro fez essas declarações em meio à escalada da campanha de pressão de Trump contra o regime de Maduro, que já dura quatro meses.
Desde agosto, os EUA ofereceram uma recompensa de 50 milhões de dólares pela cabeça de Maduro, lançaram o maior destacamento naval no Mar do Caribe desde a crise dos mísseis de Cuba em 1962 e realizaram uma série de ataques aéreos mortais contra supostos barcos de narcotráfico, que mataram mais de 80 pessoas.
A maioria das companhias aéreas internacionais suspendeu os voos para a Venezuela depois que Trump declarou o espaço aéreo do país “totalmente fechado” no final do mês passado – uma medida que Amorim classificou como “totalmente ilegal”.
Segundo alguns relatos, Trump deu a Maduro um prazo de uma semana para renunciar durante um telefonema em 21 de novembro – prazo que já expirou.
Muitos observadores suspeitam que o próximo passo de Trump poderá ser ordenar ataques dentro da Venezuela, numa ação amplamente vista como uma tentativa de derrubar Maduro, provocando uma rebelião militar contra ele. Questionado no início deste mês se o ditador venezuelano havia se oferecido para renunciar ao poder, Trump respondeu: “Ele renunciará”.
No entanto, Maduro, que foi eleito democraticamente em 2013, mas é amplamente considerado como tendo fraudado a eleição do ano passado, não demonstrou qualquer sinal de ceder.
Amorim – cujo governo não aceitou a alegação de Maduro de ter vencido as eleições de 2024, apesar dos laços de longa data com seu movimento político – disse que o Brasil se opõe à mudança forçada de regime, embora reconheça que houve “problemas” com a contagem dos votos.
“Se cada eleição questionável desencadeasse uma invasão, o mundo estaria em chamas”, disse o diplomata, que enfatizou estar falando em caráter pessoal e não em nome de Lula.
“Se Maduro chegar à conclusão de que deixar o poder é o melhor para ele e para a Venezuela, será uma conclusão dele… O Brasil jamais imporá isso; jamais dirá que isso é uma exigência… Não vamos pressionar Maduro para que renuncie ou abdique”, acrescentou Amorim, que admitiu que as relações entre Venezuela e Brasil não são mais tão “calorosas ou intensas” como antes.
Crescem as especulações sobre o possível destino de Maduro caso ele renuncie ao poder e entre no exílio. Possíveis refúgios incluem Cuba, Turquia, Catar e Rússia.
Questionado se o Brasil poderia ser outra opção, Amorim disse que preferia não especular “para não parecer estar incentivando” a ideia. “No entanto, o asilo é uma instituição latino-americana [para] pessoas tanto de direita quanto de esquerda”, acrescentou, lembrando como o equatoriano Lucio Gutiérrez recebeu refúgio no Brasil após ser deposto da presidência em 2005. “Chegamos a enviar um avião para buscá-lo”, disse Amorim, que era ministro das Relações Exteriores na época.
O ditador paraguaio, General Alfredo Stroessner, também foi exilado para o Brasil após ser deposto em 1989 e morreu em Brasília, capital do país, em 2006.
Os receios de que a Venezuela possa enfrentar uma guerra civil ou um conflito de guerrilha caso Maduro caia não são universalmente aceites.
Em artigo publicado no New York Post na semana passada, a líder da oposição, María Corina Machado – cujo movimento é amplamente considerado como tendo derrotado Maduro nas eleições do ano passado – rejeitou a ideia de que a Venezuela se tornaria “outro Iraque ou Líbia”.
“Há quem diga que uma ação decisiva poderia gerar instabilidade ou desencadear migração. Mas a instabilidade já aconteceu e a migração já ocorreu”, escreveu ela, referindo-se aos 8 milhões de venezuelanos que fugiram em meio ao colapso econômico e democrático da era Maduro.
O assessor de política externa de Lula esperava que Trump estivesse inclinado a chegar a uma “solução negociada” com Maduro e que uma transição pacífica ainda pudesse ser alcançada, apesar do clima cada vez mais beligerante.
Qualquer transição política ordenada provavelmente levaria tempo, sugeriu Amorim, lembrando a abertura “lenta, gradual e segura” da ditadura militar brasileira de 21 anos, que começou em 1974 e terminou com o retorno da democracia em 1985.
Amorim lançou a ideia de um referendo revogatório – semelhante ao realizado na Venezuela em 2004 – como forma de amenizar a crise política. “[O então presidente Hugo] Chávez aceitou a ideia, com alguma relutância, mas aceitou. Houve um referendo e ele venceu”, disse Amorim, acrescentando: “Não sei quem venceria agora”.
Os dados da votação divulgados pelo aparente vencedor das eleições e verificados por especialistas independentes mostraram que Maduro sofreu uma derrota contundente para seu oponente, Edmundo González. Maduro se recusou a publicar a apuração completa dos votos para sustentar sua alegação de ter conquistado um terceiro mandato de seis anos.
Publicado originalmente pelo The Guardian em 08/12/2025
Por Tom Phillips – Correspondente para a América Latina