ONG da responsável por “Dark Horse” recebeu R$ 108 milhões para wi-fi e só instalou 3,2 mil dos 5 mil pontos

Imagem: Reprodução

Uma investigação do Intercept Brasil revelou que a responsável pela produção do filme “Dark Horse” —cinebiografia de Jair Bolsonaro — firmou, em 2024, um contrato superior a R$ 100 milhões com a administração da cidade de São Paulo para a instalação de pontos de wi-fi gratuito em comunidades de baixa renda. A ONG que pertence à empresária Karina Ferreira da Gama — a mesma dona da Go Up Entertainment, produtora principal do filme —, envolveu um repasse antecipado de R$ 26 milhões antes da prestação do serviço.

A licitação para o programa de wi-fi foi aberta em julho do ano passado, e apenas o Conhecer Brasil apresentou proposta. O valor final estabelecido, R$ 108 milhões, previa a implantação de cinco mil pontos pela cidade. Para acelerar parte do cronograma antes das eleições municipais que reconduziram Nunes ao cargo, a prefeitura liberou o adiantamento, segundo o Intercept. Após o pleito, contudo, o ritmo de instalação diminuiu. Até o momento, apenas 3.200 pontos foram concluídos, número inferior ao previsto em contrato.

Comparações com outros projetos municipais ampliaram as dúvidas: em 2023, o Prodam, empresa de tecnologia da prefeitura, foi contratado por R$ 125 milhões para instalar quase 11 mil pontos de wi-fi em unidades educacionais, quase o dobro da quantidade por um valor proporcionalmente menor.

O vínculo entre as atividades da ONG e a produtora do filme se estreita pelo fato de ambas operarem a partir do mesmo endereço, um espaço de coworking na Avenida Paulista, e pela ausência de experiência prévia do Conhecer Brasil em instalação ou manutenção de internet pública. A investigação destaca ainda que Mario Frias, autor do roteiro de “Dark Horse” e ex-Secretário Especial da Cultura, destinou mais de R$ 2 milhões à ONG este ano para projetos de incentivo ao esporte e de letramento digital — iniciativas que, contudo, não aparecem no site oficial da instituição. Frias também integra o elenco do longa, com um pequeno papel.

A atuação de Karina Ferreira da Gama inclui ainda outra organização, a Academia Nacional da Cultura, que em 2024 recebeu mais de R$ 2,6 milhões em emendas Pix encaminhadas por deputados bolsonaristas como Alexandre Ramagem, Carla Zambelli, Bia Kicis, Marcos Pollon e Gil Diniz. O repasse tinha como finalidade a produção da série documental “Heróis Nacionais”, que permanece inédita.

Em resposta ao Intercept, o Instituto Conhecer Brasil afirmou que não existe ligação entre os projetos financiados por Frias e o contrato firmado com a prefeitura paulistana. A entidade declarou que cada recurso recebido tem destinação específica e que todas as ações seguem “rigorosamente os termos contratuais, a legislação vigente e as diretrizes dos órgãos de controle”. Já a prefeitura classificou como irresponsável qualquer associação entre a autorização de filmagens de “Dark Horse” e o programa WiFi Livre SP. A gestão Nunes afirmou que o projeto de internet pública é essencial para famílias vulneráveis e reiterou que o filme não recebeu recursos públicos nem possui parceria com a SPCine.

Lucas Allabi: Jornalista em formação pela PUC-SP e apaixonado pelo Sul Global. Escreve principalmente sobre política e economia. Instagram: @lu.allab
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.