China quer inundar deserto do Gobi com as águas do Himalaia para conter desertificação e criar lagos artificiais

A China estuda, em círculos acadêmicos e técnicos, um dos projetos ambientais mais ambiciosos já concebidos: transportar água do Himalaia até o deserto do Gobi para criar lagos artificiais capazes de alterar o clima regional, conter o avanço da desertificação e integrar geração de energia renovável em larga escala. Embora ainda esteja no campo teórico, a proposta vem ganhando espaço diante da aceleração dos impactos climáticos no norte do país.

O deserto do Gobi avança historicamente sobre regiões agrícolas e áreas urbanas do norte chinês, mas esse processo se intensificou nas últimas décadas. A combinação de aquecimento global, uso intensivo do solo, expansão urbana e fragilidade ecológica ampliou tempestades de areia que atingem não apenas a China, mas também países vizinhos como Coreia do Sul e Japão, chegando com frequência à capital Pequim.

É nesse contexto que pesquisadores chineses passaram a debater soluções de escala continental, inspiradas no South–North Water Transfer Project, o maior projeto hídrico já executado no mundo. A obra, iniciada nos anos 2000, transfere trilhões de litros de água das regiões úmidas do sul para áreas secas do norte da China. Agora, parte da comunidade científica avalia se uma futura expansão poderia avançar ainda mais para o oeste, alcançando o interior árido do país.

Água do Himalaia como fonte estratégica

O planalto tibetano é conhecido como a “torre d’água da Ásia”, pois abriga as nascentes de rios que sustentam bilhões de pessoas em países como Índia, Paquistão, Bangladesh, Nepal e Vietnã. A proposta em discussão envolve captar parte do degelo e de afluentes considerados menos sensíveis geopoliticamente, conduzindo essa água por corredores de túneis e canais até zonas deprimidas do Gobi.

Segundo estudos conceituais, a engenharia necessária exigiria túneis pressurizados atravessando cadeias montanhosas, sistemas de sifão para vencer grandes desníveis e reservatórios intermediários para controle de fluxo e pressão. Em alguns cenários, o sistema seria integrado a usinas hidrelétricas reversíveis, permitindo recuperar parte da energia consumida no bombeamento da água.

Lagros artificiais e mudança climática regional

O principal objetivo do projeto seria climático. Pesquisadores argumentam que grandes corpos d’água têm capacidade comprovada de alterar padrões locais de temperatura e umidade. A criação de lagos artificiais no interior do Gobi aumentaria a evaporação, formando bolsões de umidade capazes de reduzir temperaturas extremas, enfraquecer tempestades de areia e estabilizar o solo.

Esses lagos funcionariam como núcleos de microclimas mais úmidos, criando condições para reflorestamento gradual, recuperação de áreas degradadas e melhora na qualidade do ar. Em tese, cidades frequentemente afetadas por poeira e poluição atmosférica poderiam registrar queda significativa desses episódios.

Integração com energia renovável

Além do aspecto ambiental, o projeto também é analisado sob a ótica energética. O deserto do Gobi é uma das regiões mais promissoras do mundo para a geração de energia solar, com extensas áreas planas e alta incidência de radiação. A presença de reservatórios permitiria a implementação de sistemas híbridos de energia, combinando parques solares com usinas hidrelétricas reversíveis.

Nesse modelo, a água geraria eletricidade ao descer e seria bombeada de volta utilizando excedentes de energia solar, funcionando como um gigantesco sistema de armazenamento. Especialistas apontam que essa integração poderia ajudar a estabilizar a rede elétrica e viabilizar novos polos industriais em regiões hoje inóspitas.

Riscos ambientais e tensões geopolíticas

Apesar do potencial, os riscos são significativos. Qualquer desvio de água do planalto tibetano desperta preocupação internacional, pois altera fluxos hídricos que sustentam milhões de pessoas fora da China. Países do sul da Ásia acompanham com atenção iniciativas chinesas na região, e projetos desse tipo podem intensificar tensões diplomáticas.

Há também desafios ambientais. A evaporação no Gobi é extremamente elevada, o que exigiria reposição contínua de água. Caso o balanço hídrico seja negativo, o projeto poderia fracassar ou até agravar processos de desertificação. Especialistas alertam ainda para possíveis efeitos climáticos imprevisíveis, como alterações nos padrões de vento e chuva que se estendem além da região.

Por que a ideia segue em debate

Mesmo diante das incertezas, o conceito continua sendo discutido em universidades e centros de planejamento estratégico. A urgência no combate à desertificação mantém o tema vivo. A China já obteve resultados com iniciativas como a chamada “Grande Muralha Verde”, um cinturão de florestas plantadas para conter dunas, mas os avanços do Gobi seguem sendo uma ameaça estrutural ao norte do país.

Autoridades e pesquisadores tratam a proposta não como uma obra iminente, mas como um experimento teórico de engenharia ambiental em escala continental, capaz de redefinir os limites naturais entre zonas desérticas e áreas habitáveis.

Um projeto que pode redefinir o Gobi

Se algum dia sair do papel, a iniciativa transformaria o deserto do Gobi em um dos maiores laboratórios de engenharia ambiental do planeta, integrando água, energia renovável e controle climático. Trata-se de uma tentativa inédita de modificar de forma deliberada um ecossistema extremo, com impactos que poderiam redesenhar a geografia econômica e ambiental do norte da China.

Por enquanto, o projeto permanece no campo das hipóteses — mas reflete o grau de ambição com que Pequim encara os desafios impostos pelas mudanças climáticas e pela escassez de recursos naturais.

Redação:
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.