Após apagão histórico, União, estado e prefeitura avançam contra concessão da Enel

Imagem: Rovena Rosa/Agência Brasil

A crise no fornecimento de energia elétrica em São Paulo levou os governos federal, estadual e municipal a adotarem uma posição inédita de convergência política. Reunidos na tarde desta terça-feira (16), no Palácio dos Bandeirantes, representantes das três esferas decidiram dar início ao processo que pode resultar na extinção do contrato da Enel, concessionária responsável pela distribuição de energia na capital paulista e em municípios da Grande São Paulo.

Após o encontro, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou que o cenário deixou de oferecer alternativas intermediárias. “Não há outra alternativa senão a medida mais grave que existe, que é a decretação de caducidade. Nós estamos mandando elementos para o Ministério de Minas e Energia. Vamos mandar isso também para a agência reguladora”, declarou. Segundo ele, a atuação conjunta dos entes federativos busca acelerar a resposta institucional diante das falhas recorrentes no serviço.

Na mesma linha, Tarcísio destacou que a iniciativa tem o apoio formal das três instâncias de governo. “Vamos instar a agência, a gente está falando de uma união importante, que é do governo federal, estadual e Prefeitura de São Paulo, na mesma página, para que o processo de caducidade seja instaurado”, completou.

Presente à reunião por determinação do presidente Lula (PT), o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, avaliou que a concessionária perdeu as condições de continuar à frente da concessão. Ele afirmou que o processo a ser iniciado deverá seguir rigorosamente os trâmites regulatórios e cobrou uma resposta rápida da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). “Estamos completamente unidos — governos federal, estadual e do município — para que a gente inicie um processo rigoroso, regulatório. Esperamos que a Aneel possa dar resposta o mais rápido possível ao povo de São Paulo, implementando e iniciando o processo de caducidade que vai resultar, com certeza, na melhoria da qualidade do serviço de distribuição, que é o mais sensível do setor elétrico”, disse.

A decisão ocorre após um novo apagão de grandes proporções provocado por um vendaval histórico que atingiu a capital e a região metropolitana. No auge da crise, mais de 2,2 milhões de imóveis ficaram sem energia. Na noite desta terça-feira, segundo boletim da própria Enel, ainda havia 79 mil unidades sem fornecimento elétrico.

Paralelamente à articulação política, a concessionária enfrenta sanções administrativas. O Procon Paulistano aplicou multa de R$ 14,2 milhões por falhas classificadas como graves e estruturais, especialmente entre os dias 8 e 10 de dezembro. De acordo com o órgão, a empresa já havia sido notificada anteriormente, mas não corrigiu condutas relacionadas à continuidade, eficiência e segurança do serviço. A autuação decorre da análise de reclamações de consumidores e de apuração técnica que apontou descumprimento do Código de Defesa do Consumidor. A Enel terá 20 dias para apresentar defesa administrativa.

Em nota, a concessionária afirmou que enfrentou um ciclone extratropical com rajadas de vento prolongadas, que chegaram a 82,8 km/h no Mirante de Santana e a 98,1 km/h na Lapa, segundo registros do Centro de Gerenciamento de Emergências. A empresa informou que mobilizou quase 1.800 equipes e que, no domingo à noite, a operação havia retornado ao padrão de normalidade, com o restabelecimento do serviço para os clientes afetados.

A Enel também acumula um histórico de punições impostas pela Aneel. Desde 2020, a agência aplicou R$ 374 milhões em multas à distribuidora em São Paulo, das quais mais de 92% ainda não foram pagas. Parte significativa desses valores foi judicializada ou segue em fase de recurso administrativo. Em todo o país, considerando os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará, as multas já somam R$ 626,2 milhões.

Além disso, a Justiça paulista determinou na sexta-feira (12) o restabelecimento imediato do fornecimento de energia, sob pena de multa de R$ 200 mil por hora em caso de descumprimento. A decisão foi comunicada à Enel no sábado (13), com prazo de 12 horas para cumprimento, mas a normalização só foi considerada concluída na noite de domingo (14). O Ministério Público de São Paulo, autor da ação, ainda não informou se cobrará a multa pelo atraso.

Enquanto a Aneel aguarda explicações formais da empresa sobre a condução da recomposição do serviço — incluindo dados técnicos, laudos meteorológicos, cronogramas e comprovação da mobilização de equipes —, os governos avançam no caminho que pode levar à ruptura definitiva do contrato. O posicionamento conjunto marca uma escalada institucional diante de uma crise que voltou a expor a fragilidade do sistema de distribuição de energia na maior metrópole do país.

Lucas Allabi: Jornalista em formação pela PUC-SP e apaixonado pelo Sul Global. Escreve principalmente sobre política e economia. Instagram: @lu.allab
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