A aprovação do Projeto de Lei da Dosimetria no Senado Federal, ocorrida na noite de quarta-feira (17), enfrenta ampla rejeição da opinião pública. Levantamento nacional divulgado nesta quinta-feira (18) pelo instituto AtlasIntel indica que mais de seis em cada dez brasileiros são contrários à proposta, que altera critérios para a fixação e o cumprimento de penas em condenações criminais, inclusive nos casos relacionados aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.
Segundo a pesquisa, 63,3% dos entrevistados afirmaram ser contra o projeto aprovado pelos senadores. Outros 34% disseram apoiar a iniciativa, enquanto o restante não soube ou preferiu não responder. O levantamento foi realizado entre os dias 10 e 15 de dezembro, com 18.154 entrevistados em todo o país. A margem de erro é de um ponto percentual, para mais ou para menos, com nível de confiança de 95%.
Mudanças na definição e no cumprimento das penas
O PL da Dosimetria altera regras centrais utilizadas pelo Judiciário para calcular penas em condenações criminais. O principal ponto do texto é a vedação à soma de penas em casos nos quais o réu seja condenado por mais de um crime praticado no mesmo contexto fático. Com isso, a punição final deixa de resultar do acúmulo das condenações individuais e passa a ser limitada por critérios unificados.
Na prática, a mudança reduz o tempo total de prisão em sentenças envolvendo múltiplos crimes decorrentes de um mesmo episódio. Críticos afirmam que a proposta enfraquece o princípio da individualização da pena e reduz o efeito dissuasório da legislação penal.
Outro ponto do projeto estabelece o menor prazo possível para progressão de regime em crimes contra o Estado Democrático de Direito. O texto não condiciona esse benefício à análise de reincidência, violência ou grave ameaça, o que, segundo especialistas e parlamentares contrários à medida, representa um afrouxamento relevante das regras atualmente em vigor.
Impacto sobre condenações do 8 de Janeiro
Embora o texto do projeto não cite nominalmente os atos de 8 de janeiro, a proposta tem impacto direto sobre os processos que envolvem a tentativa de ruptura institucional ocorrida naquele dia. Condenados por crimes como abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e associação criminosa podem ter redução significativa no tempo de cumprimento de pena caso a nova regra seja aplicada.
O projeto foi articulado no Congresso como alternativa à proposta de anistia defendida por setores da oposição, que buscavam o perdão integral das condenações. A dosimetria, nesse contexto, foi apresentada como uma solução intermediária, mantendo as condenações, mas reduzindo os efeitos práticos das sentenças.
Reações políticas e questionamentos jurídicos
A aprovação do texto no Senado provocou reação imediata de partidos e lideranças da esquerda. Bancadas anunciaram que ingressaram ou pretendem ingressar com ações no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a constitucionalidade da proposta. Entre os argumentos levantados estão a violação ao princípio da proporcionalidade e o enfraquecimento da proteção ao Estado Democrático de Direito.
No Executivo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já manifestou oposição à proposta. Em reunião ministerial realizada também na quarta-feira (17), Lula indicou que tende a vetar o projeto caso ele seja aprovado em definitivo pelo Congresso. Integrantes do governo afirmaram que o presidente rejeita qualquer medida que resulte na redução das penas aplicadas aos responsáveis pelos atos golpistas.
Percepção da população sobre o objetivo do projeto
Pesquisas anteriores já indicavam resistência popular à proposta. Levantamentos recentes apontaram que parcela expressiva da população acredita que o projeto foi aprovado com o objetivo de beneficiar lideranças políticas específicas, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado pelo Supremo Tribunal Federal por envolvimento na tentativa de golpe de Estado.
Embora o texto não trate de anistia formal, especialistas avaliam que seus efeitos práticos podem se aproximar de uma redução significativa das punições impostas nos casos mais emblemáticos relacionados à ruptura institucional.
Pesquisa integra monitoramento regional
O levantamento divulgado pela AtlasIntel faz parte do Latam Pulse, iniciativa conjunta do instituto com a Bloomberg voltada ao acompanhamento contínuo da opinião pública na América Latina. O estudo utiliza metodologia digital e amostragem ampla, com foco em temas políticos, econômicos e institucionais.
Segundo os organizadores, o objetivo do projeto é medir percepções sociais sobre decisões de governo, atuação dos poderes e temas de alta relevância pública, especialmente em contextos de polarização política.
A rejeição expressiva ao PL da Dosimetria, registrada após sua aprovação no Senado, reforça o caráter controverso da proposta e indica que o tema deve seguir no centro do debate político e jurídico nas próximas semanas, tanto no Congresso quanto no Supremo Tribunal Federal.