O ex-procurador da República Deltan Dallagnol efetuou o pagamento de uma indenização por danos morais no valor de R$ 146,8 mil ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O pagamento decorre de condenação definitiva da Justiça no episódio conhecido como o “caso do PowerPoint”, relacionado à entrevista coletiva concedida pelo então integrante da força-tarefa da Operação Lava Jato em dezembro de 2016.
Segundo informações publicadas pela Folha de S.Paulo, o valor foi depositado em conta judicial e deverá ser transferido ao presidente nos próximos dias. O montante inclui, além da indenização fixada, o pagamento de honorários advocatícios referentes à ação movida por Lula.
Origem da condenação
A condenação teve origem em uma ação por danos morais proposta por Lula em dezembro de 2016, após entrevista coletiva na qual Dallagnol apresentou denúncia relacionada ao caso do tríplex do Guarujá. Na ocasião, o então procurador utilizou slides de PowerPoint para ilustrar a acusação, em uma apresentação que ganhou ampla repercussão pública.
Durante a entrevista, Dallagnol exibiu um fluxograma em que 14 tópicos convergiam para o nome de Lula, a quem classificou como o “grande general” de um suposto esquema de corrupção na Petrobras. Ele também utilizou expressões como “propinocracia” e afirmou que o ex-presidente teria sido o comandante máximo das práticas ilícitas investigadas.
Entendimento da Justiça
Em decisão proferida em 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que Dallagnol extrapolou os limites de sua atuação funcional ao empregar linguagem não técnica e adjetivações consideradas ofensivas à honra e à imagem de Lula.
Os ministros destacaram que houve violação aos direitos de personalidade do então ex-presidente, uma vez que o procurador emitiu juízo de culpa antes mesmo do início da ação penal e atribuiu a Lula fatos que não constavam formalmente da denúncia apresentada ao Judiciário.
No acórdão, o tribunal afirmou que “age com abuso de direito o sujeito que, a pretexto de divulgar o oferecimento de denúncia criminal em entrevista coletiva, utiliza-se de termos e adjetivações ofensivos e marcados pelo desapego à técnica”.
Arrecadação por meio de doações
Após a confirmação da condenação, Dallagnol recorreu às redes sociais para informar que o pagamento da indenização foi viabilizado por meio de doações feitas por apoiadores. Segundo ele, mais de 12 mil pessoas contribuíram financeiramente para a quitação do valor.
De acordo com a publicação, os recursos arrecadados somaram aproximadamente R$ 835 mil, já considerados os rendimentos financeiros. O ex-procurador afirmou que o montante excedente, após o pagamento da indenização e das despesas processuais, será destinado a hospitais filantrópicos.
Defesa de Dallagnol
Ao longo do processo, a defesa de Dallagnol sustentou que não houve dano moral nem violação à honra de Lula. Os advogados argumentaram que a entrevista coletiva foi concedida no exercício regular das funções do procurador e que o objetivo era informar a sociedade sobre os desdobramentos das investigações da Lava Jato.
Mesmo após a condenação definitiva, Dallagnol manteve críticas ao sistema de Justiça. Em manifestação pública, afirmou que a decisão representaria uma reação institucional contra o combate à corrupção. “Brasileiros, entendam: isso é o que acontece quando se luta contra a corrupção e a injustiça no Brasil”, escreveu, acrescentando que, em sua visão, Lula teria saído impune enquanto integrantes da Lava Jato “pagam o preço”.
Anulação das condenações de Lula
O desfecho do caso do PowerPoint ocorre em um contexto mais amplo de reavaliação judicial das condenações impostas a Lula no âmbito da Lava Jato. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou todas as condenações do ex-presidente proferidas pela Justiça Federal de Curitiba, incluindo a do tríplex do Guarujá.
Na mesma linha, o STF reconheceu a parcialidade do então juiz Sergio Moro na condução dos processos contra Lula, entendimento que reforçou a tese de que houve cerceamento de defesa e motivação política nas ações penais.
As decisões do Supremo ocorreram dois anos e cinco meses após Moro deixar a magistratura para assumir o cargo de ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, o que também foi considerado relevante pelos ministros ao analisarem a imparcialidade do julgamento.
Desdobramentos políticos e jurídicos
O pagamento da indenização por Dallagnol encerra definitivamente o processo cível relacionado ao caso do PowerPoint, um dos episódios mais simbólicos da atuação da Lava Jato. O caso tornou-se referência nos debates sobre os limites da atuação de membros do Ministério Público, o uso da mídia em investigações criminais e a preservação da presunção de inocência.
Com a condenação transitada em julgado e o valor quitado, o episódio se soma a uma série de decisões judiciais que revisaram práticas adotadas durante a operação e ampliaram o debate sobre responsabilidade funcional, comunicação institucional e garantias fundamentais no sistema de Justiça brasileiro.