O lançamento da candidatura de Flávio Bolsonaro gerou uma infinidade de especulações de que ela não seria para valer.
O próprio Flávio ajudou a alimentar essa dúvida ao insinuar que haveria um “preço” pelo seu lançamento, declaração que ele depois deu a entender, um pouco desastradamente, que foi uma pegadinha infeliz.
Passada a confusão inicial, agora está claro que o projeto é sério. E se o analisarmos friamente, a escolha faz sentido do ponto de vista dos interesses e planos da família Bolsonaro.
O único outro nome que poderia rivalizar com Flávio, o governador Tarcísio de Freitas, tem um caminho mais seguro e provável na busca pela reeleição em São Paulo.
Embora se pudesse argumentar que Flávio também teria uma trajetória tranquila para renovar seu mandato no Senado, uma pessoa com seu passado nebuloso ficaria vulnerável judicialmente caso não tenha mandato, por ficar sem o foro especial. Mas esse tipo de suposta blindagem pelo STF já não é visto como um privilégio tão maravilhoso como antes. Políticos não recebem mais “colher de chá” do Supremo, e um nome como Flávio Bolsonaro certamente possui mais influência nas cortes inferiores do Rio de Janeiro do que entre ministros do STF.
Na verdade, me parece provável que o plano de Flávio seja migrar para os Estados Unidos, em caso de derrota para Lula, para se juntar a seu irmão e a outros foragidos da justiça brasileira. Com o dinheiro que irá mobilizar na campanha eleitoral, poderá organizar algum tipo de empreendimento por lá.
Os números do primeiro turno: Flávio Bolsonaro leva a melhor sobre Tarcísio
A mais recente pesquisa AtlasIntel, divulgada em 15 de dezembro, traz um cenário ampliado que testa os principais nomes conhecidos. Lula lidera com 47,9%, muito próximo de uma vitória no primeiro turno. Flávio Bolsonaro aparece em segundo, com 21,3%, seguido por Tarcísio de Freitas, com 15,0%.
Entre quem votou em Bolsonaro no segundo turno de 2022, a base já escolheu seu candidato: 42,7% votariam em Flávio, enquanto 29,5% escolheriam Tarcísio.
Os números revelam, a propósito, como o voto está profundamente calcificado no país. Praticamente ninguém que votou em Bolsonaro em 2022 declara intenção de votar em Lula em 2026. Inversamente, quem escolheu Lula em 2022 tende a repetir o voto em 96% dos casos.
A diferença de mais de seis pontos entre os dois principais nomes da direita é relevante, ainda mais considerando que Flávio acabou de entrar na disputa.
Outro trunfo de Flávio sobre Tarcísio é sua maior penetração no Nordeste: 29% contra apenas 7%. No Sul, a vantagem também é ampla: 23% para Flávio contra 9% para Tarcísio.
A única região onde Tarcísio leva alguma vantagem é o Sudeste, o que se explica por sua visibilidade como governador de São Paulo. Ainda assim, Lula lidera com 49% na região, contra 20% de Tarcísio e 15% de Flávio.
Entre os mais pobres, o governador também se mostra fraco. Na faixa de renda familiar de até R$ 2.000, Tarcísio tem apenas 7,2%, enquanto Flávio chega a 35,3%. A Faria Lima pode gostar de Tarcísio, mas os números mostram que seu apelo é restrito. Lula lidera com 47,5% nesse estrato.
Entre eleitores com ensino fundamental, Lula aparece muito à frente: 69,4%, contra 18,8% de Flávio e míseros 4,6% de Tarcísio. Essa é mais uma vulnerabilidade importante do governador paulista: ele não consegue mobilizar os setores mais populares.
Entre evangélicos, um dos núcleos duros da extrema direita brasileira, a vantagem de Flávio sobre Tarcísio também é sólida: 26% contra 11%. Chama atenção ainda a posição dominante de Lula nesse segmento, com 36%.
O único segmento onde Tarcísio supera Flávio é entre eleitores com renda familiar acima de R$ 10 mil. Ele é o queridinho da Faria Lima.
O herdeiro de Lula
Outro ponto interessante da pesquisa é a força de Fernando Haddad numa simulação de primeiro turno sem Lula.
O ministro lidera com folga, desmentindo a tese de que Lula seria como uma “árvore mangueira”, que não deixa nada crescer a seu redor.
Em um cenário sem Lula, o ministro da Fazenda lideraria com 43,9% dos votos, contra 28,5% de Tarcísio. Uma vantagem expressiva de 15 pontos, a qual, se mantida no dia da eleição, abriria caminho para uma vitória tranquila no segundo turno.
Os dados estratificados da pesquisa mostram que Haddad herdaria 87,9% do eleitorado que votou em Lula no segundo turno de 2022.
A comparação entre os cenários com Lula e com Haddad revela que a estrutura social de seus eleitores é muito semelhante. Ambos lideram com folga entre eleitores de baixa renda, mulheres, menos escolarizados e nordestinos.
Importante notar, porém, que tanto Lula quanto Haddad lideram igualmente, de maneira muito sólida, entre eleitores com ensino superior.
No Nordeste, Lula atinge 55,9% das intenções de voto, contra 22% para Tarcísio, no cenário 3 da pesquisa, com o governador sendo o candidato apoiado por Bolsonaro.
Haddad, por sua vez, aparece com 49% na região, contra cerca de 22% de Tarcísio. Mesmo com uma redução na margem, a vantagem segue muito elevada para o candidato petista.
Entre as mulheres, o padrão se repete. No cenário com Lula, ele obtém 56,2%, contra 23,9% de Tarcísio. No cenário com Haddad, o petista marca 50,9%, enquanto Tarcísio fica com 24,3%.
O mesmo se dá entre eleitores de baixa renda, a principal base social do lulismo. No cenário 3, com Tarcísio, Lula pontua 46% entre eleitores com renda familiar até R$ 2.000, contra 22,6% para Tarcísio. Na simulação em que Haddad e Tarcísio são os principais candidatos, o petista tem 38% nesse mesmo estrato, contra 23% para o governador. Muda a intensidade, mas não o perfil do eleitorado.
A diferença entre Lula e Haddad não está no tipo de eleitor, mas na intensidade do apoio. Haddad perde parte da margem, mas continua muito à frente nos principais segmentos populares. A espinha dorsal social e regional do lulismo permanece preservada.
Quem ganhar no primeiro turno, ganhará também no segundo
Acho interessante analisar o que significaria, para Lula, chegar à frente no primeiro turno, mesmo que por uma vantagem modesta.
Para isso, vale lembrar 2022. No primeiro turno, Lula obteve 48,43% dos votos válidos, contra 43,20% de Jair Bolsonaro. Uma vantagem de 5,23 pontos percentuais.
Essa diferença, numa pesquisa, não pareceria tão grande por causa da margem de erro. Mas as urnas não têm margem de erro.
Em 2022, essa diferença correspondeu a 6,2 milhões de votos, uma quantidade enorme de gente!
No segundo turno, Lula venceu Bolsonaro com 50,83% contra 49,17%. A vantagem foi de 1,66 ponto percentual, ou quase 2 milhões de votos. Para comparar: nos Estados Unidos, Donald Trump derrotou Kamala Harris no voto popular em 2024 por cerca de 1,47 ponto percentual.
Ainda assim, Trump vende o resultado como uma vitória arrasadora.
Desde a redemocratização, nunca houve uma virada nas eleições presidenciais. Em todas as disputas que tiveram segundo turno, o candidato que terminou à frente no primeiro venceu também no segundo.
Nas eleições para governador, a história mostra algumas viradas, mas são exceção. Das 107 vezes em que houve segundo turno para governador no Brasil, ocorreram apenas 30 viradas, cerca de 28%.
Um exemplo clássico foram as eleições fluminenses de 2014. No primeiro turno, Anthony Garotinho terminou à frente, com 31,1%, seguido por Luiz Fernando Pezão com 20,4% e Marcelo Crivella com 20,3%.
Garotinho tinha cerca de 11 pontos de vantagem sobre Pezão, mas entrou no segundo turno com rejeição muito elevada. Pezão conseguiu absorver quase integralmente os votos de Crivella e de outros candidatos menores. A disputa se inverteu: Pezão venceu com 51,9% contra 48,1%.
A virada só foi possível porque Garotinho saiu do primeiro turno com uma votação baixa, havia um terceiro colocado competitivo, e não se notava uma polarização ideológica profunda entre os dois principais candidatos.
Tudo indica que a eleição presidencial de 2026 não será muito diferente de 2022, com um primeiro turno já marcado por forte polarização e a maior parte dos votos absorvida pelos dois primeiros nomes.
Numa disputa assim, com pouca margem para grandes transferências a partir do terceiro ou quarto colocados, quem terminar o primeiro turno na frente terá muito mais chances de confirmar a vitória no segundo.
Se Lula chegar ao segundo turno com uma diferença parecida com a de 2022, na faixa de 5 a 6 pontos percentuais sobre o segundo colocado, a reversão desse quadro se torna historicamente improvável.
Na AtlasIntel que tratamos aqui, a vantagem de Lula sobre o segundo colocado varia de 19 a 21 pontos percentuais nos cenários de primeiro turno.
Em alguns, Lula ultrapassa os 50% dos votos válidos.
Nos dois primeiros cenários da pesquisa, o ampliado com Flávio e Tarcísio, e o apenas com Flávio, Lula tem 49,5% e 50% dos votos válidos, respectivamente.
No cenário com Michelle, o petista também teria 50% dos votos válidos.
O mais constrangedor para Tarcísio é que, no primeiro turno, ele performa pior que todos os membros da família Bolsonaro.
No cenário 3, em que Tarcísio é o candidato apoiado por Jair Bolsonaro, Lula chega a 53% dos votos válidos!
Tarcísio tem melhor desempenho que Flávio no segundo turno
Nas simulações de segundo turno, Lula vence todos os adversários testados, com vantagens que oscilam de 4 pontos (contra Tarcísio) a 12 pontos (contra Flávio), chegando a 25 pontos se o competidor for Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul.
A razão pela qual Tarcísio tem melhor desempenho que Flávio, num eventual confronto de segundo turno com Lula, é que ele possui rejeição menor que o senador e sinalizaria melhor para setores do centro político, insatisfeitos com o extremismo ideológico da família Bolsonaro.
Entretanto, o próprio Tarcísio, no afã de agradar a base bolsonarista, fez alguns movimentos erráticos de radicalismo, que o fizeram perder a aura de “moderado” que, porventura, seria seu diferencial na direita.
De qualquer forma, esse trem aparentemente já passou.
Conforme já vimos, Flávio consegue mobilizar mais a base bolsonarista, o que lhe confere enorme vantagem sobre Tarcísio no momento de definir quem será o candidato da direita.
Há ainda um detalhe que pouca gente tem analisado: Flávio é do PL, o partido de Jair Bolsonaro, além de ser a legenda com mais recursos, ao passo que Tarcísio é do Republicanos. Isso deve conferir ao senador uma posição mais confortável na hora de defender sua própria candidatura. Tanto é assim que os apoiadores de Tarcísio fizeram sondagens sobre seu possível ingresso no PL, para facilitar sua candidatura à presidência.
Não se pode ignorar ainda que os partidos políticos no Brasil movimentam bilhões de reais de fundo eleitoral (em 2026 serão mais de R$ 5 bilhões), recursos controlados de maneira extremamente centralizada pelo comando das legendas e pelos candidatos.
Essa seria outra razão para a família Bolsonaro querer manter a candidatura presidencial “dentro de casa”.
Clique aqui para baixar o relatório completo da pesquisa AtlasIntel.