A eleição presidencial boliviana deste domingo, 17, marcou um ponto de ruptura na política do país. Segundo a agência Reuters, o senador Rodrigo Paz, do Partido Democrata Cristão (PDC), liderou a disputa com 32,18% dos votos, colocando o governista Movimento ao Socialismo (MAS) diante de sua pior derrota em quase duas décadas. O ex-presidente Jorge “Tuto” Quiroga, da coalizão Alianza, ficou em segundo lugar, com 26,94%, garantindo presença no segundo turno, marcado para 19 de outubro.
Declínio do MAS e avanço do centro
O candidato governista, Eduardo del Castillo, registrou apenas 3,16% dos votos, resultado considerado simbólico do desgaste do MAS, que governou o país com Evo Morales e, depois, Luis Arce. Analistas apontam que a combinação de inflação elevada, escassez de combustíveis e falta de dólares foi decisiva para a derrota do partido, que vinha dominando o cenário político boliviano desde 2006.
A proposta de Rodrigo Paz
Rodrigo Paz, antes visto como um nome de baixa projeção, transformou-se no centro da disputa ao propor um modelo de descentralização fiscal conhecido como “50-50”, pelo qual metade do orçamento ficaria sob o controle do governo central e a outra metade seria destinada às administrações regionais. Em discurso na noite eleitoral, Paz afirmou:
“A Bolívia não está apenas pedindo uma mudança de governo, está pedindo uma mudança no sistema político.”
A fala foi recebida com entusiasmo por apoiadores que entoaram gritos de “renovação”, reforçando o caráter de ruptura de sua candidatura.
Quiroga e a promessa de reformas
Quiroga, presidente entre 2001 e 2002, reconheceu a liderança de Paz e anunciou que se prepara para o confronto de outubro. Seu programa defende cortes de gastos públicos e mudanças na política externa, afastando a Bolívia de aliados como Venezuela, Cuba e Nicarágua.
O empresário Samuel Doria Medina, do bloco Unidad, já declarou apoio a Paz, indicando possível frente ampla contra Quiroga no segundo turno.
Reações do governo e de Evo Morales
O presidente Luis Arce reagiu com um breve comunicado, afirmando que “a democracia triunfou”. Evo Morales, impedido de concorrer, havia convocado boicote às urnas, mas a participação foi considerada regular pelos observadores internacionais, sem registros de incidentes graves.
Crise econômica como pano de fundo
A votação ocorreu em meio a uma crise econômica aguda. A inflação atingiu 23% em junho, mais que o dobro da taxa registrada em janeiro. A escassez de combustíveis e de divisas estrangeiras agravou a insatisfação popular. Para o economista Roger Lopez, ouvido pela Reuters:
“A Bolívia está no limite. Não tem dólares e enfrenta obrigações que precisam ser pagas em dólares, e os eleitores entendem que os próximos anos serão difíceis.”
Esse quadro favoreceu o voto de protesto contra o MAS e abriu espaço para o fortalecimento de centro e direita, que juntos somaram cerca de três quartos da votação.
Vozes das ruas
Eleitores que já apoiaram o MAS relataram à Reuters terem optado por candidatos de oposição. Silvia Morales, comerciante de La Paz, justificou o voto em Paz pela busca de renovação: “Ele é uma cara nova, mas com experiência. Acho que devemos abrir espaço para novas oportunidades.” Já o professor Carlos Blanco Casas, 60 anos, disse: “Precisamos de uma nova direção. Esta eleição parece esperançosa.”
Um novo ciclo político
Especialistas classificam a eleição como um ponto de inflexão, após quase 20 anos de hegemonia do MAS. Para o segundo turno, o confronto opõe o discurso moderado e descentralizador de Paz ao projeto mais radical de reformas econômicas e de política externa defendido por Quiroga.
A proclamação oficial dos resultados deve ocorrer em até sete dias, mas já se desenha um cenário em que a Bolívia se prepara para uma das disputas mais decisivas de sua história recente, com potencial para redefinir o equilíbrio político e econômico do país.


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