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Os recados duros da Índia ao Tio Sam

O primeiro-ministro da Índia, Modi, publicou nas suas redes hoje um comentário cheio de indiretas contra os arbítrios de Donald Trump. A declaração, aparentemente diplomática sobre seu encontro com o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, na verdade esconde recados contundentes para Washington. Modi escreveu: “Foi um prazer encontrar o ministro das Relações […]

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Modi e Wang Yi. Crédito: X do Modi

O primeiro-ministro da Índia, Modi, publicou nas suas redes hoje um comentário cheio de indiretas contra os arbítrios de Donald Trump. A declaração, aparentemente diplomática sobre seu encontro com o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, na verdade esconde recados contundentes para Washington.

Modi escreveu: “Foi um prazer encontrar o ministro das Relações Exteriores Wang Yi. Desde meu encontro com o presidente Xi em Kazan no ano passado, as relações Índia-China fizeram progresso constante, guiadas pelo respeito aos interesses e sensibilidades mútuos. Aguardo nosso próximo encontro em Tianjin às margens da Cúpula da SCO. Laços estáveis, previsíveis e construtivos entre Índia e China contribuirão significativamente para a paz e prosperidade regional e global.”

Cada frase dessa declaração carrega um recado específico aos Estados Unidos, em um momento em que a Índia se vê injustamente penalizada com tarifas de 50% sobre seus produtos por comprar petróleo russo – exatamente o que Washington havia pedido para ela fazer.

Quando Modi expressa “prazer” em encontrar o representante chinês, está sinalizando que a Índia não se submeterá às pressões americanas para isolar a China. O “progresso constante” nas relações sino-indianas é um recado direto de que a estratégia americana de dividir para conquistar não está funcionando.

A menção ao “respeito aos interesses e sensibilidades mútuos” contrasta explicitamente com a abordagem americana de imposição unilateral de tarifas e chantagem econômica. É uma crítica velada, mas inequívoca, ao comportamento imperial de Washington.

Ao confirmar sua participação na Cúpula da SCO na China, Modi demonstra que a Índia não se deixará intimidar pelas pressões americanas para se afastar dos fóruns multilaterais liderados pela China e Rússia. A SCO é vista pelos Estados Unidos como uma organização rival à sua hegemonia global.

A frase final sobre “paz e prosperidade globais” é o recado mais contundente: Modi está dizendo que a estabilidade mundial depende de boas relações sino-indianas, não da hegemonia americana. É uma rejeição direta da visão de mundo de Washington.

A indignação por trás dessas entrelinhas é compreensível. A Índia está sendo punida com tarifas confiscatórias por seguir orientações americanas. Washington havia pedido explicitamente para que a Índia aumentasse suas compras de petróleo russo para evitar distúrbios nos preços internacionais. Agora pune Nova Delhi exatamente por isso.

A hipocrisia é gritante: a China compra volumes muito superiores de petróleo russo, mas Trump anunciou que vai “adiar” qualquer penalização a Pequim. A Europa continua importando gás e fertilizantes russos. Os próprios Estados Unidos mantêm importações de fertilizantes russos. Mas apenas a Índia é punida.

O secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, teve a audácia de acusar a Índia de “lucrar” com as compras de petróleo russo. O que convenientemente omite é que esse aumento foi resultado direto das pressões americanas.

A Índia está aprendendo, da mesma forma que o Brasil, que o império não aceita neutralidade. O império só respeita a força.

Essa lição não é nova. Há 2.500 anos, o historiador grego Tucídides registrou um diálogo revelador durante a Guerra do Peloponeso. A pequena ilha de Melos queria permanecer neutra no conflito entre Atenas e Esparta. Os atenienses rejeitaram categoricamente essa possibilidade.

Como registrou Tucídides, os representantes atenienses foram brutalmente diretos: “o direito, como o mundo funciona, só está em questão entre iguais em poder, enquanto os fortes fazem o que podem e os fracos sofrem o que devem”. Os atenienses explicaram que não podiam permitir que Melos permanecesse neutro porque isso seria interpretado pelos súditos do império como sinal de fraqueza.

O paralelo com hoje é impressionante. Assim como os antigos atenienses, os Estados Unidos não aceitam neutralidade. Washington exige submissão total ou considera qualquer país um inimigo. A Índia, como Melos na antiguidade, descobriu da pior forma que não existe meio-termo com impérios hegemônicos.

Mas a Índia de hoje, com seus 1,4 bilhão de habitantes e economia em crescimento, não é a Melos indefesa da antiguidade. Modi está mostrando que a Índia tem escolhas – e está fazendo a escolha certa ao se aproximar da China, dos Brics, e do Sul Global.

Os recados foram enviados. Resta saber se Washington terá a sabedoria de ouvi-los.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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