Diferente de 1964, agora é a democracia que leva ao tribunal aqueles que tentaram subvertê-la pela força e pela violência planejada
Na próxima terça-feira, 2 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) fará algo que o Brasil nunca viu: colocará um ex-presidente da República no banco dos réus por tentativa de golpe de Estado. Jair Bolsonaro, que teve o poder nas mãos por quatro anos, agora enfrenta a Justiça por crimes que atacam o cerne da nossa democracia — a tentativa de impedir a transição legítima do poder após uma derrota eleitoral. O momento é histórico, não apenas por envolver um ex-chefe do Executivo, mas porque simboliza o triunfo da Constituição sobre o autoritarismo.
Este julgamento não é apenas um processo criminal. É um ato de resistência democrática. É a sociedade brasileira, por meio de suas instituições, dizendo com todas as letras: não aceitaremos que o voto seja desrespeitado, que as urnas sejam desacreditadas e que o poder seja mantido pela força. É o Estado Democrático de Direito funcionando como deveria — sem privilégios, sem impunidade, com a mesma lei para todos.
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O que está em julgamento vai além de Bolsonaro. Está em julgamento a tentativa de subverter a ordem constitucional, de desestabilizar as instituições e de impor um regime paralelo, armado e violento. A denúncia do Ministério Público é clara: houve um plano sistemático, articulado por um núcleo de poder que incluía altos comandos militares, ministros e aliados diretos, com o objetivo de manter Bolsonaro no poder mesmo após sua derrota nas urnas.
Entre os crimes atribuídos, estão não apenas a tentativa de golpe, mas também a formação de organização criminosa armada, dano ao patrimônio público e até o planejamento de assassinatos de autoridades. Um roteiro digno de regimes ditatoriais — e que, infelizmente, encontrou eco em território brasileiro.
É impossível não estabelecer um contraste entre o passado e o presente. Em 1964, quando os militares derrubaram João Goulart, o golpe foi bem-sucedido. A ditadura instalou-se por 21 anos, sob a proteção do silêncio da Justiça e da anistia generosa aos seus próprios algozes.
Em 1979, a Lei da Anistia blindou os torturadores e os assassinos do regime, enquanto punia os que lutaram pela liberdade. Não houve julgamento, não houve responsabilização. A democracia foi enterrada — e a impunidade, entronizada.
Hoje, o cenário é outro. O Brasil amadureceu. Nossas instituições, ainda que frágeis, mostram músculo. O STF, o Ministério Público, o Congresso e a sociedade civil estão mais alertas. E, pela primeira vez, quem tentou destruir a democracia será julgado por ela. É uma virada histórica. Não se trata de vingança, mas de justiça. De assegurar que o futuro do país não seja decidido por quartéis, por milícias ou por redes de desinformação, mas pelo voto livre e consciente do povo.
Bolsonaro não está sozinho no banco dos réus — e isso é simbólico. Ao seu lado estarão figuras como Walter Braga Netto, Mauro Cid, Anderson Torres, Augusto Heleno e outros ex-ministros e militares de alto escalão. São homens que, em vez de defenderem a Constituição, escolheram conspirar contra ela. São representantes de um projeto que via as Forças Armadas não como garantes da ordem, mas como instrumentos de poder pessoal. O julgamento expõe, de forma crua, o quanto o ex-presidente tentou militarizar o Estado e subordinar as instituições à sua vontade.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, foi enfático: Bolsonaro teve papel central num plano “progressivo e sistemático” para destruir a democracia. E o ministro Alexandre de Moraes, que determinou a prisão domiciliar do ex-presidente desde agosto, reforça a gravidade do caso. A condenação, segundo fontes do STF, é vista como praticamente certa. A discussão agora é sobre a pena — que pode ultrapassar 40 anos.
É importante lembrar que Bolsonaro é o quarto ex-presidente preso desde a redemocratização, mas o primeiro acusado de tentar derrubar a própria democracia que jurou proteger. É um sinal de que o Brasil está aprendendo com seus erros. Não se trata de criminalizar adversários políticos, mas de punir quem ataca a base do sistema: o respeito às eleições, às instituições e ao Estado de Direito.
A democracia não é um regime fraco. É forte o suficiente para julgar seus inimigos por dentro das regras que ela mesma estabelece. Este julgamento é a prova disso. É um momento de maturidade institucional, de coragem cívica, de defesa da soberania nacional — porque soberania não é apenas controlar fronteiras, mas garantir que o povo decida seu destino sem medo, sem intimidação, sem golpes.
Que o plenário do STF, nos próximos dias, seja um altar da legalidade. Que cada voto dos ministros seja um ato de defesa da Constituição. E que o Brasil, diante dos olhos do mundo, mostre que aprendeu a lição: jamais voltaremos ao passado. A democracia venceu em 2022 nas urnas. Agora, vence no tribunal. E vencerá sempre que for preciso.


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