Concessão do visto evita que Haddad se torne alvo da política restritiva de Trump contra autoridades estrangeiras
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), teve o pedido de renovação de visto para os Estados Unidos aprovado nesta segunda-feira (8). O documento abre caminho para que o chefe da equipe econômica represente o Brasil em duas agendas internacionais de peso: a Semana do Clima, em Nova York, prevista para este mês, e a reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, em outubro, em Washington.
O visto havia sido solicitado em agosto, já que o anterior perdeu a validade em maio. A confirmação foi recebida no Planalto como um alívio. A autorização norte-americana elimina, pelo menos por enquanto, o temor de que Haddad fosse incluído na lista de autoridades brasileiras que tiveram a entrada barrada nos EUA desde a posse de Donald Trump.
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Temor de crise contornado
Nos bastidores do governo, a preocupação era real. Regras internacionais determinam que países que sediam encontros multilaterais não podem impedir a entrada de autoridades estrangeiras convidadas. Trata-se do chamado Acordo de Sede, que obriga a nação anfitriã a garantir acesso a representantes oficiais. Ainda assim, Trump já contrariou esse protocolo em situações anteriores.
Em agosto, por exemplo, Washington revogou vistos de diplomatas palestinos que seguiriam para Nova York em compromissos ligados à ONU, em mais um episódio de atrito com instituições multilaterais. Foi com base nesse mesmo acordo que o Itamaraty protocolou o pedido para assegurar a presença de Haddad.
Histórico de atritos
A tensão não era infundada. Durante a gestão Trump, os Estados Unidos já suspenderam vistos de sete ministros do Supremo Tribunal Federal, do então ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e até de familiares do ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Entre os atingidos, estava a filha de Padilha, à época com apenas dez anos de idade. O gesto foi interpretado pelo Brasil como uma retaliação política e deixou marcas nas relações diplomáticas.
Nesse contexto, havia receio de que Haddad se tornasse o próximo alvo. A liberação, porém, foi recebida como um sinal de que, ao menos neste momento, o governo brasileiro poderá manter sua agenda externa sem sobressaltos maiores.
Celebrações no Brasil
Enquanto Haddad respira aliviado com a confirmação de sua presença em fóruns internacionais decisivos, no Brasil a atenção do público se voltou para o The Town, festival de música realizado no Autódromo de Interlagos, em São Paulo. O evento, que estreou no calendário nacional com grandes nomes da cena pop, atraiu uma constelação de celebridades.
Entre os presentes estavam a diretora criativa da marca Mondepars, Sasha Meneghel, a atriz Rafa Kalimann, a protagonista Alanis Guillen e o ex-ginasta Diego Hypolito. Todos marcaram presença no primeiro fim de semana do festival, que se consolidou como um dos principais encontros culturais do país.
Entre a diplomacia e o espetáculo
Assim, a semana foi marcada por duas agendas de grande repercussão — uma no campo da política internacional e outra no universo cultural. Enquanto no cenário externo o Brasil celebra a garantia de presença de seu ministro da Fazenda em debates cruciais sobre economia e clima, no plano doméstico o país festeja a força da música e da cultura pop em um festival que movimentou São Paulo e mobilizou milhares de pessoas.
Medidas de apoio e defesa da soberania marcam 1 mês de tarifaço imposto por Trump
O tarifaço aplicado pelos Estados Unidos às exportações brasileiras completa, neste sábado (6), um mês em vigor. Desde a imposição das sobretaxas, anunciadas por Donald Trump como forma de retaliação política, o governo brasileiro e o setor produtivo têm buscado caminhos para reduzir os impactos econômicos e, ao mesmo tempo, reafirmar a soberania nacional diante de um dos mais duros embates comerciais recentes entre os dois países.
Da ameaça à concretização
O episódio começou em julho. No dia 9, Trump enviou uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva comunicando a intenção de aplicar uma tarifa de 50% sobre todos os produtos exportados pelo Brasil aos EUA. O anúncio foi feito de forma pública, divulgado pelo próprio Trump em redes sociais.
Na justificativa, o republicano citou o suposto déficit comercial americano e acusou o governo brasileiro de perseguir Jair Bolsonaro, que responde no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado — julgamento que entrou em sua fase final nesta semana.
O Palácio do Planalto reagiu de imediato. Em resposta, Lula rebateu a narrativa americana e lembrou que, nos últimos 15 anos, o Brasil acumulou déficit de quase US$ 410 bilhões em sua relação comercial com os Estados Unidos, ou seja, importou mais do que exportou no período.
Mesmo com as tentativas de negociação, em 30 de julho Trump confirmou oficialmente a medida. O tarifaço entrou em vigor no dia 6 de agosto, por ordem executiva.
Quem foi poupado
Embora a sobretaxa tenha atingido em cheio parte do comércio bilateral, cerca de 700 produtos foram incluídos em uma lista de exceções. Permaneceram fora do tarifaço bens estratégicos para os dois países, como suco e polpa de laranja, combustíveis, fertilizantes, minérios, celulose, metais preciosos e itens do setor aeronáutico, incluindo peças e componentes para aviões civis.
A Embraer, uma das maiores fabricantes mundiais de aeronaves, foi diretamente beneficiada pela medida, preservando parte considerável de suas exportações ao mercado norte-americano.
O peso da medida

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), os produtos excluídos representam 44,6% das exportações brasileiras para os EUA e seguem pagando apenas a tarifa de 10% estabelecida em abril.
Já o chamado “tarifaço cheio”, de 50% (10% mais uma sobretaxa de 40%), recai sobre 35,9% das vendas. Outros 19,5% estão sujeitos a tarifas específicas aplicadas por razões de “segurança nacional”, argumento utilizado pela Casa Branca para sobretaxar automóveis, autopeças, aço, alumínio e cobre.
Na prática, 64,1% das exportações brasileiras seguem competindo em condições próximas às de outros países. Ainda assim, os cálculos do vice-presidente e ministro do Mdic, Geraldo Alckmin, mostram que 3,3% das vendas externas do Brasil foram diretamente impactadas pelo tarifaço.
Resistência e diplomacia
Apesar da concretização da medida, Brasília não recuou. Logo após a entrada em vigor do tarifaço, Alckmin se reuniu com Gabriel Escobar, encarregado de negócios da Embaixada dos EUA em Brasília, na tentativa de abrir espaço para negociações. O esforço, no entanto, ainda não trouxe resultados práticos, já que o governo Trump não indicou um novo embaixador para o Brasil desde a saída de Elizabeth Bagley, em janeiro.
Fernando Haddad, por sua vez, tentou agenda com Scott Bessent, secretário do Tesouro americano — equivalente ao ministro da Fazenda —, mas o encontro foi cancelado. “Disseram que era falta de agenda, algo bastante inusitado”, afirmou Haddad na época.
Para o ministro, o veto teria ligação com articulações da extrema-direita nos EUA em aliança com setores bolsonaristas. A Polícia Federal brasileira, inclusive, apontou essa conexão em investigações que resultaram no indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
Eduardo, que vive nos Estados Unidos desde março, teria atuado nos bastidores da estratégia que levou ao tarifaço, segundo a PF.
Efeitos econômicos: tarifaço de Trump já pressiona setores e desafia governo brasileiro
A sobretaxa de 50% aplicada pelos Estados Unidos sobre parte expressiva das exportações brasileiras já mostra seus impactos diretos. Além de encarecer os produtos nacionais para os compradores americanos e reduzir a competitividade do Brasil no maior mercado consumidor do mundo, a medida vem desencadeando uma série de reações em estados e municípios que dependem fortemente da relação comercial com Washington.
Ceará em emergência
O caso mais dramático é o do Ceará, que decretou situação de emergência econômica. Mais de 44% de suas exportações tinham como destino os Estados Unidos, em setores que vão da siderurgia à fruticultura, passando por pescados e pás eólicas. Com a entrada em vigor do tarifaço, mais de 90% da pauta exportadora cearense foi atingida.
Para tentar reduzir os prejuízos, o governo estadual lançou programas emergenciais de compra de alimentos de empresas que perderam espaço no mercado externo. O objetivo é evitar falências e manter empregos, garantindo que a produção que não sai do país encontre destino no mercado interno.
Vale do São Francisco e Franca em alerta
Em Petrolina (PE), polo da fruticultura irrigada, a apreensão é grande. A cidade, que concentra exportações de manga e uva, conta com uma janela estreita para colocar no mercado internacional 2,5 mil contêineres de manga e 700 de uva entre agosto e outubro. “Um terço da população vive diretamente da fruticultura”, lembrou o prefeito Simão Durando em reunião no BNDES para discutir medidas de apoio.
Já em Franca (SP), conhecida como a capital nacional do calçado, a indústria teme perdas severas. Há empresas que destinam 100% da produção aos Estados Unidos, e o setor emprega entre 12 mil e 14 mil trabalhadores diretamente. Com o tarifaço, a continuidade de parte dessas operações está em risco.
Plano Brasil Soberano
Diante do impacto, o governo federal anunciou, em 13 de agosto, o Plano Brasil Soberano, considerado a principal resposta ao tarifaço. O pacote prevê R$ 30 bilhões em linhas de crédito, com juros mais baixos e facilidades de acesso para empresas exportadoras afetadas.
Entre outras medidas, o plano amplia a restituição de tributos federais, prorroga suspensões de impostos e autoriza órgãos públicos a ampliar a compra de alimentos produzidos por empresas prejudicadas. Uma medida provisória, publicada em 2 de setembro, abriu crédito extraordinário para bancar a iniciativa.
O BNDES também reforçou sua participação, acrescentando R$ 10 bilhões em recursos ao pacote de ajuda. O presidente do banco, Aluizio Mercadante, destacou que o apoio emergencial será direcionado a municípios mais afetados, em articulação com prefeitos de várias regiões.
Exportações em queda
Os primeiros números oficiais confirmam os efeitos do tarifaço. Segundo o Mdic, as exportações brasileiras para os EUA caíram 18,5% em agosto, na comparação com o mesmo mês de 2024. A queda surpreendeu até mesmo em produtos que ficaram fora da sobretaxa: embarques de minério de ferro recuaram 100%, e os de aviões, 84,9%.
Técnicos explicam que muitos exportadores anteciparam vendas em julho, temendo a taxação, o que inflou os números daquele mês e deixou agosto artificialmente mais fraco.
No balanço geral, o comércio exterior brasileiro mostrou resiliência: as exportações totais cresceram 3,9% em agosto, com saldo positivo de US$ 6,1 bilhões. Parte desse resultado se deve ao aumento das vendas para outros parceiros, como China e Argentina, que absorveram volumes maiores em substituição ao mercado americano.
Visões de especialistas
Para a economista Lia Valls Pereira, da UERJ e do Ibre/FGV, o recuo nas exportações brasileiras para os EUA já evidencia os efeitos imediatos do tarifaço. Ela ressalta que alguns setores podem buscar novos mercados, mas outros têm forte dependência do mercado americano. “É o caso do sebo bovino, em que os Estados Unidos respondem por mais de 50% das exportações”, exemplifica.
A pesquisadora defende que o Brasil acelere negociações com novos parceiros, especialmente a União Europeia, e amplie acordos comerciais que garantam maior segurança ao setor produtivo.
Já o economista Matheus Dias, também do Ibre/FGV, destaca que, até agora, não houve impacto perceptível na inflação. Segundo ele, a lista de 700 produtos isentos da sobretaxa máxima foi fundamental para evitar desequilíbrios no abastecimento interno. “Se esses itens tivessem sido taxados em 50%, o redirecionamento ao mercado interno teria derrubado preços e alterado a dinâmica da inflação. Não foi o que ocorreu”, explicou.
Ele ressalta, no entanto, que alguns setores específicos — como cimento, madeira e metais — sentiram os efeitos de forma mais aguda, ainda que o consumidor final não perceba esses movimentos nos preços do dia a dia.
Com informações da Folha e da Agência Brasil*


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