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Entre juros e contradições, o Fed busca redenção

Enquanto o fantasma de uma crise de liquidez como a de 2019 volta a assombrar Washington, mercados já apostam em novo corte de juros nesta quarta-feira. Começa nesta terça-feira uma das reuniões mais críticas do Federal Reserve (Fed) no ano. Na pauta, não está apenas a provável redução da taxa de juros, mas o destino […]

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O presidente do Fed, Jay Powell, afirmou no início deste mês que o banco central encerraria o QT nos "próximos meses"

Enquanto o fantasma de uma crise de liquidez como a de 2019 volta a assombrar Washington, mercados já apostam em novo corte de juros nesta quarta-feira.


Começa nesta terça-feira uma das reuniões mais críticas do Federal Reserve (Fed) no ano. Na pauta, não está apenas a provável redução da taxa de juros, mas o destino de um experimento monetário colossal: o fim do “Quantitative Tightening” (QT), o aperto quantitativo.

Após quase três anos “enxugando” o excesso de dinheiro da economia, o banco central dos Estados Unidos dá sinais claros de que a operação está perto de seu limite. O motivo? O sistema financeiro começou a piscar alertas vermelhos.

Nos bastidores de Wall Street, a calmaria deu lugar à apreensão. Bancos voltaram a bater à porta do Fed em busca de financiamento emergencial em níveis que não eram vistos desde o auge da pandemia de Covid-19. Esse movimento é o principal sintoma de que o “remédio” do Fed para conter a inflação — a retirada de mais de US$ 2 trilhões do sistema desde 2022 — pode estar começando a sufocar o paciente.

A discussão sobre o fim desta era de aperto monetário, uma das mais longas da história recente, é iminente. O mercado sente o cheiro da mudança.

“Rapidamente se tornou quase um consenso que o Fed encerrará o QT este mês”, afirmou Krishna Guha, vice-presidente da consultoria Evercore ISI.

Rich Clarida, uma voz poderosa por ter sido vice-presidente do Fed e hoje atuar como economista da Pimco, reforça a urgência, embora a formalização possa demorar um pouco mais. “É uma decisão difícil. Mesmo que não tenhamos uma decisão formal, teremos um forte indício de que eles encerrarão o programa em dezembro.”

O próprio chefe da instituição, Jay Powell, preparou o terreno. No início do mês, Powell já havia sinalizado que o QT seria encerrado “nos próximos meses”.

A aposta do mercado: juros para baixo

A fala de Powell foi música para os ouvidos dos investidores. Ele também indicou a intenção de cortar novamente a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, o que marcaria o segundo corte consecutivo.

Os mercados financeiros, que operam sempre de olho no futuro, já dão como certa a decisão desta quarta-feira: os investidores precificam quase por completo a expectativa de que a taxa de juros caia para a faixa entre 3,75% e 4%.

Esse otimismo é alimentado por um mercado de trabalho que, pela primeira vez em meses, dá sinais de enfraquecimento, e pelo alívio nos temores de que a antiga guerra comercial travada pelo ex-presidente Donald Trump volte a pressionar a inflação.

O fantasma de 2019

O Fed não está agindo apenas por precaução; está agindo por medo. A memória de setembro de 2019 está viva em Washington. Naquela época, um aperto de liquidez semelhante, também causado pelo QT, fez as taxas de juros de curto prazo dispararem da noite para o dia, gerando pânico nos mercados e forçando o Fed a intervir às pressas.

“A principal questão que norteia o pensamento do Fed é o receio de um choque de liquidez”, explicou Diane Swonk, economista-chefe da KPMG nos Estados Unidos.

O objetivo do banco central sempre foi migrar de uma condição de “liquidez abundante” (o que se viu na pandemia) para um regime de reservas “amplas” — um ponto de equilíbrio onde há dinheiro suficiente para estabilidade, mas sem excessos. O problema é saber exatamente onde fica esse ponto.

O uso recente da linha permanente de recompra do Fed de Nova York — uma ferramenta de emergência com taxas mais caras — atingiu níveis semelhantes aos da crise da Covid-19, sugerindo que o equilíbrio foi perdido.

“As evidências dos mercados financeiros indicam que você está muito perto de passar da abundância para a fartura, ou talvez já tenha chegado lá”, avaliou Guha.


O “aspirador de pó” monetário

Para entender a magnitude da decisão, é preciso lembrar o que é o QT. Ele é o exato oposto do “Quantitative Easing” (QE), a política que salvou a economia após o colapso do Lehman Brothers em 2008 e novamente durante a pandemia.

  • QE (Flexibilização): O Fed se torna um comprador voraz, injetando trilhões na economia ao comprar títulos do Tesouro e papéis lastreados em hipotecas.
  • QT (Aperto): O Fed faz o inverso. Ele atua como um “aspirador de pó”, deixando esses papéis vencerem sem substituí-los, drenando dinheiro do sistema e, na prática, encarecendo o crédito.

Desde o início do ciclo de QT, em junho de 2022, o Fed vem reduzindo seu balanço. Em abril, diminuiu o ritmo de aperto, reduzindo as vendas mensais de títulos do Tesouro de US$ 25 bilhões para US$ 5 bilhões, enquanto manteve o ritmo de até US$ 35 bilhões em títulos lastreados em hipotecas. O impacto dessa dieta recai sobre os bancos, que ficam com menos reservas e mais vulneráveis.

Um monstro de US$ 6,59 trilhões

Mesmo após essa “dieta” severa, o balanço do Fed continua sendo um gigante de US$ 6,59 trilhões — mais de US$ 2 trilhões acima do nível pré-pandemia. Antes da crise financeira de 2008, esse número era inferior a US$ 1 trilhão.

Desfazer esse monstro, como se vê agora, não é tão simples quanto criá-lo.

“Não se pode simplesmente reduzir o saldo do balanço patrimonial com a mesma facilidade com que se pode expandi-lo. Não existe mais o mercado de empréstimos overnight que existia antes da crise financeira”, disse Swonk, da KPMG.

Essas políticas de “sanfona” (expansão e contração) não passam sem críticas. O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, chegou a classificar o programa de QE como uma “expansão indevida de objetivos”, argumentando que ele contribuiu para ampliar a desigualdade social — uma acusação que os dirigentes do banco central rejeitam.

Com a economia dos EUA dando sinais mistos — inflação cedendo, mas o crescimento moderado e o crédito mais restrito —, o fim do QT é mais que uma decisão técnica. É uma virada de página, o reconhecimento de que o ciclo de aperto mais agressivo da história recente chegou ao fim, talvez no limite da estabilidade. O debate desta semana definirá o tom da economia global para os próximos meses.

Com informações de Financial Times*

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