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Natália Pires: o perigo da expectativa chamada Tábata Amaral

Por Natália Pires

Há alguns tipos de personagens históricos que fogem à nossa compreensão porque, ou estão à frente do seu tempo, ou estão atrás (sim, sou uma pessoa dualista). Esta falta de compreensão se dá porque as ideias, atitudes e feitos desses personagens estão além ou aquém das ideias, atitudes e feitos da maioria das pessoas que vivem no mesmo tempo e espaço (território) desses personagens. Quando a personagem Tábata Amaral surgiu como candidata a deputada federal, jovem, vinda da periferia de São Paulo, filha de pais nordestinos, vencedora de olimpíadas de matemática e formada na prestigiosa Universidade de Harvard, não parecia restar dúvidas que era uma mulher à frente do seu tempo, mas não demorou muito para ela mostrar que é uma pseudopolítica agindo por interesses próprios (ou por interesses de uma pseudo-elite intelectual formada em universidades pseudodemocráticas).

Lembro quando li sobre a sudestina pela primeira vez. Estava estudando sobre líderes da área de educação para fins de pesquisa do meu doutorado e encontrei a história da co-fundadora de um movimento que tinha como objetivo colocar a educação como prioridade na “agenda nacional”. Tal movimento, chamado Mapa da Educação, tinha potencial de transformação social, mas foi abandonado às traças desde que a sudestina foi eleita deputada.

A eleição da cidadã, que, após tomar posse, usou dinheiro público para pagar o namorado que tinha trabalhado na sua campanha, foi apoteótica. Seu nome foi lançado como uma das 100 mulheres mais influentes do mundo. Ela participou de eventos com a Malala e com o Obama. O Renova Brasil (pseudopartido político) foi lançado à mídia utilizando o sobrenome Amaral nos jornais. A “brasileira formada em Harvard” virou sinônimo de representação feminina na política e na luta pela educação, até que começou a mostrar sua falta de ética e responsabilidade.

No último texto publicado na sua coluna da Folha de SP (veículo de mídia de centro-direita que colaborou com a formação do golpe da Dilma Roussef), a deputada sem partido (!!!) citou levianamente a dualidade entre ética de responsabilidade e ética de convicção, discutidos pelo famoso intelectual alemão Max Weber, para tentar justificar seu voto a favor da Reforma da Previdência. Segundo ela, tais éticas seriam, abre aspas, inconciliáveis, fecha aspas (tsc), acrescentando que “quando penso nos efeitos sobre a minha imagem e bem-estar pessoal, predomina a ética da convicção” (Artigo “O perigo da Autotraição” para coluna da Folha SP, 31/07/2021). Foi a primeira vez que ela falou abertamente que sua IMAGEM e bem-estar PESSOAL prevalecem nas suas decisões como parlamentar (!!!!!!).

Para quem não sabe, a ética da convicção citada pela sudestina, deveria orientar o comportamento dos políticos na esfera PRIVADA, enquanto a ética da responsabilidade, segundo Weber, deveria orientá-los nas suas atuações como representantes do povo. Para conciliá-las, basta, a meu ver, separar a vida pública da privada, ponto (tsc). Quando ela escreve, com todas as letras, que para tomar suas decisões, “predomina a ética da convicção”, ela está dando um atestado público de que está agindo por interesses próprios, sejam eles quais forem.

É retórico dizer que uma representante do povo NÃO DEVE tomar decisões políticas por interesses próprios e por isso vou usar essa afirmação universal como gancho para discutir outra coisa: o perigo da expectativa chamada Tábata Amaral.

Assim como eu, o partido da educação, que a lançou candidata, pensou que ela era uma representante do povo. À frente do seu tempo e do povo. É difícil imaginar que uma pessoa com a bandeira da educação não defenda os direitos sociais do povo. Eu li o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) dela, defendido em Harvard (o qual ela definiu, mais uma vez levianamente, como tese). Eu vi suas entrevistas. Ela estava filiada a um partido de esquerda que tem Brizola como cofundador. Não tinha como ela não defender os direitos sociais do povo. Aí ela foi lá e, contra todas as orientações do partido e contra todos os estudos acadêmicos que mostravam os danos da reforma da previdência tal qual como estava para o povo, a sudestina foi lá e votou a favor da Reforma da Previdência. Depois, pediu ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a desfiliação do partido formal ao qual ela estava filiada, sem perda de mandato. Agora, escreve com todas as letras que abre mão da responsabilidade pública para defender sua moral privada. Mais do que uma decepção, uma vergonha para as pessoas que um dia, assim como eu, viram ela como representante de lutas.

Tento entender a pessoa Tábata Amaral (estou segura que ela não é mais uma menina). Li sua autobiografia (!), escrita de forma petulante, entre seus 25 e 26 anos de idade. Vejo, hoje, a construção histórica de um personagem que veio de uma família humilde, mas que passou a maior parte do tempo da sua juventude (tão importante para a formação de caráter, identidade ancestral e pertencimento) vivendo entre pessoas que viviam uma realidade diferente da sua. A ausência de uma educação pública de qualidade no seu bairro a levou a estudar em uma escola privada distante de casa (a qual ofertou-a uma bolsa de estudos motivada por interesses competitivos). Depois, ela foi treinada por uma elite intelectual imperialista dos EUA para ocupar “seu lugar” no Brasil, usando a autoridade acadêmica de uma instituição estrangeira (!) para conseguir espaço na mídia e nos espaços de poder. Abraçou as ideias dominantes da Academia americana e europeia, quando temos Paulo Freire, Jessé Souza, Darcy Ribeiro e outros sociólogos e intelectuais tão conhecedores das nossas raízes profundas. Está defendendo, como tantos outros políticos que perderam o respeito, os valores morais como saída para voltar a ganhar popularidade. Esse filme eu já vi.

Tábata Amaral é fruto da falta de uma educação transformadora. E nossa expectativa para com ela também. Ela defende a educação pública, sim. Mas nunca fala abertamente do nosso patrono Paulo Freire. Ela é uma intelectual, sim, mas pouco fala dos sociólogos brasileiros. Ela é uma mulher política, sim, mas que defende seu bem-estar e imagem em primeiro lugar. É perigoso apoiar a sudestina porque ela vende a imagem de que representa a luta de um povo, mas o que ela defende, mesmo, são suas convicções pessoais.

Recife, 02 de Agosto de 2021.

Natália Pires
Doutora em População, Território e Estatísticas Públicas pela Escola do IBGE,
Especialista em Avaliações Educacionais e Mestre em Estatística,
Filiada ao Partido Democrático Trabalhista
Militante da Ação da Mulher Trabalhista no Recife

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Nota do editor: Recebemos da assessoria da deputada Tábata Amaral a mensagem abaixo, em resposta ao texto acima publicado.

Como figura pública, a deputada Tabata Amaral se coloca a favor da liberdade de expressão e tolera diversas críticas enviesadas, mas o texto de Natália Pires traz, para muito além disso, mentiras e manipula informações para soarem verossímeis, quando na verdade essas afirmações não têm nenhum embasamento na realidade. Natália Pires mente ao dizer que, ao tomar posse, a deputada utilizou recursos públicos do mandato para pagar serviços ao seu namorado. Nunca houve nenhuma contratação de pessoal ou serviço realizada pelo mandato a membros do círculo íntimo da deputada. A autora também mente ao dizer que em artigo à Folha de São Paulo a deputada federal disse que prioriza os efeitos à sua imagem pessoal na votação da Reforma da Previdência. Muito pelo contrário, o argumento da deputada é que ela desprioriza os efeitos à sua imagem pessoal para seguir aquilo que acredita que é o melhor para as pessoas em cada votação, mesmo que o custo pessoal e a rejeição seja grande. Por fim, a autora alega que a deputada nunca falou sobre Paulo Freire ou Darcy Ribeiro, o que também mostra um profundo desconhecimento das aparições públicas da deputada, entre discursos, artigos na Folha de São Paulo e entrevistas, em que ela reiteradamente cita Paulo Freire e Darcy Ribeiro como suas grandes inspirações para trilhar a luta pela educação de qualidade para todos.

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