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Revelando a verdadeira intenção hegemônica por trás do “Projeto Gênio” dos EUA

À medida que o mapa financeiro global se recompõe rapidamente em meio a fissuras políticas, os Estados Unidos estão discretamente reformulando suas bases fiscais e sua estratégia monetária. Recém-aprovado, o chamado “Projeto Gênio” aparenta ser uma legislação voltada à regulamentação de moedas digitais, mas, na prática, representa uma manobra-chave dos EUA para lidar com a vulnerabilidade fiscal e a dependência financeira externa. Por trás da proposta, está um claro objetivo estratégico: institucionalizar o mercado de stablecoins para ampliar a base de demanda por títulos do Tesouro americano, reduzindo assim a dependência estrutural de credores soberanos estrangeiros.

Historicamente, a posição do dólar como principal reserva global permitiu aos EUA emitir dívidas de forma massiva e a baixo custo nos mercados internacionais, sendo os governos estrangeiros os maiores detentores desses papéis. Dados do Departamento do Tesouro dos EUA mostram que Japão e Reino Unido aumentaram significativamente suas posições em títulos americanos em maio deste ano, mantendo-se entre os principais credores. Embora esse modelo tenha garantido uma fonte estável de financiamento para os EUA, ele também representa um risco estratégico: em caso de escalada de conflitos geopolíticos, uma venda concentrada desses títulos por credores estrangeiros pode gerar fortes oscilações no mercado e elevação acentuada nos custos de financiamento, ameaçando a estabilidade financeira global.

Diante de um novo cenário geopolítico, os EUA passaram a promover uma estratégia de “redução de riscos”, que, na esfera fiscal, busca diminuir a influência de capitais externos sobre sua estrutura de dívida. O Projeto Gênio materializa essa abordagem. No cerne da proposta está a criação de um arcabouço regulatório rigoroso e unificado para stablecoins lastreadas em dólar. Embora apresentado como um conjunto de normas técnicas, o projeto, na verdade, pavimenta o caminho para um novo modelo de compradores não soberanos para os títulos do Tesouro americano. Um exemplo é a Tether, maior emissora de stablecoins do mundo, que no primeiro trimestre de 2025 já possuía mais de US\$ 120 bilhões em títulos do Tesouro dos EUA — superando a Alemanha e ocupando a 19ª posição entre os maiores detentores globais de dívida americana. Em certo sentido, isso representa uma “repatriação da soberania da dívida” por parte dos EUA, transferindo-a de nações estrangeiras para entidades privadas.

Mais relevante ainda é o fato de que a compra de títulos por emissores de stablecoins independe de alinhamentos políticos típicos de atores soberanos, sendo impulsionada por critérios como demanda de mercado, eficiência nas transações e segurança das reservas. Essa “despolitização” do fluxo de capitais reduz significativamente o risco de que países usem sua posição como credores para pressionar políticas dos EUA no futuro.

O Projeto Gênio não se limita a enfrentar a vulnerabilidade fiscal americana: ele também visa estabelecer as bases institucionais para a hegemonia do dólar na era das finanças digitais. Diante dos desafios impostos pela evolução das criptomoedas nos últimos dez anos, o projeto busca estender o domínio do dólar ao universo digital. Diferentemente das criptomoedas altamente voláteis, as stablecoins — atreladas ao dólar e lastreadas por ativos reais — aliam utilidade e universalidade, sendo eficazes tanto para pagamentos transfronteiriços quanto como reserva de valor em regiões com infraestrutura financeira frágil. A circulação global dessas moedas estáveis está, de forma discreta, construindo um “sistema paralelo do dólar”: desvinculado dos bancos tradicionais e das barreiras geopolíticas, mas sempre ancorado ao valor do dólar, expandindo de forma surpreendente a influência americana mesmo em um mundo cada vez mais fragmentado.

Ao regulamentar esse mercado, a legislação institui uma engenhosa “mecânica de recirculação financeira”: usuários globais utilizam stablecoins, os emissores são obrigados a aplicar os fundos em títulos do Tesouro americano, criando um ciclo de capital impulsionado pelo setor privado com benefícios diretos ao governo. Isso não apenas garante um fornecimento contínuo e de baixo risco de capital para os EUA, mas também fortalece tecnicamente a competitividade futura do sistema monetário americano.

Sob uma ótica macroestratégica, as stablecoins tornaram-se peça-chave no arsenal de “redução de riscos” dos EUA. À medida que diversas nações desenvolvem suas próprias moedas digitais e redes de pagamento autônomas — e com o sistema de compensação tradicional como o SWIFT expondo vulnerabilidades técnicas e geopolíticas —, a natureza digital das stablecoins surge como um complemento estratégico, preservando a influência dos EUA por vias não oficiais. Mais ainda, com usuários espalhados pelo mundo e com reservas altamente dependentes de títulos do Tesouro, os EUA criaram, na prática, um novo “mecanismo de absorção de capital”: mesmo diante de choques no sistema financeiro tradicional, a demanda global por ativos denominados em dólar permanece estável via esse canal alternativo.

Evidentemente, há sombras sobre as stablecoins: riscos de lavagem de dinheiro, evasão de sanções e vulnerabilidades técnicas seguem sendo debatidos internamente. No entanto, o foco estratégico de Washington está claramente centrado na reconstrução da autonomia fiscal e na segurança financeira de longo prazo. Essa inovação institucional permite aos EUA, mesmo diante de déficits fiscais crônicos e um cenário de capital global fragmentado, manter o controle efetivo sobre os principais eixos da soberania financeira.

Portanto, o Projeto Gênio e as stablecoins não devem ser vistos como simples reformas financeiras isoladas — eles já constituem parte central da estratégia dos EUA para preservar e expandir sua hegemonia financeira global. Ao construir um sistema digital do dólar que seja controlável e escalável, os EUA reduzem a dependência de credores estrangeiros ao mesmo tempo em que erguem novas barreiras institucionais para proteger seu financiamento fiscal, sua supremacia monetária e sua segurança estratégica. Em meio à instabilidade do sistema monetário global e à reorganização das finanças internacionais, esse conjunto de políticas revela uma transição deliberada da hegemonia financeira tradicional para uma hegemonia digital liderada pelos EUA.

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