Jatinho de Lupi continua enfrentando turbulências

(Ministro Carlos Lupi, saindo de um King Air em sua viagem pelo Maranhão)

Vamos começar analisando o Jornal Nacional, porque é a ferramenta midiática mais poderosa de todas. Nesta segunda-feira, o bloco do JN que tratou do caso Lupi abriu com o anúncio de que a Polícia Federal vai investigar a denúncia da Veja sobre o caso do jatinho.

Ao afirmar, logo no início do bloco, que o Ministro da Justiça determinou a abertura de inquérito da PF acerca do uso do jatinho por Carlos Lupi, em 2009, o JN não traz contudo nenhuma declaração do ministro da Justiça nem expõe nenhum documento. No Jornal da Globo, exibido mais tarde, acontece a mesma coisa. Acredito que a Globo se refere às declarações genéricas do José Eduardo Cardoso de que qualquer denúncia da imprensa é investigada pela PF, não havendo necessidade de abertura de nenhum inquérito policial específico, e que, no caso dos imbróglios envolvendo o Trabalho, o próprio Lupi foi quem pediu que a PF fizesse uma investigação – e isso bem antes de aparecer a história do jatinho.

Voltando ao JN, o locutor afirma que a PF vai investigar se o ministro usou jatinho “indicado” por um dono de ongs que mantém contratos com o ministério. Vê-se bem que já descobriram que o jatinho não pertence a Adair Meira, fato que é confirmado pelo próprio, em entrevista ao JN.

O repórter afirma então que Lupi usou, “em viagem oficial, um jatinho privado”.

Bem, não tenho conhecimento que o Estado brasileiro seja fabricante de jatinhos, portanto, nenhuma autoridade pública, em missão oficial ou não, pode viajar pelo espaço aéreo brasileiro a não ser em jatinhos privados.

As reportagens que vem tratando do caso Lupi parecem insinuar que seja algum tipo de crime viajar de jatinho no Brasil. Não é.  Pode configurar infração ética, segundo o Estatuto do Servidor Público, usar jatinho pertencente a empresários que têm ligações com o governo. Digo que pode configurar, porque há casos em que também se permite isso, afinal não é fácil achar transporte aéreo para os rincões ocultos do Brasil profundo.

Entretanto, evidentemente não é crime usar um jatinho apenas “indicado” por alguém. No Jornal do Globo, o repórter entrevista Adair Meira, que afirma não ter pago o avião, apesar de confirmar sua presença no vôo.

Ainda no JN, matéria fala que o ministro viajou com dono de ongs que tem convênios com o ministério. Devemos saber o seguinte:

  • A própria matéria da Veja, que fala do uso do jatinho, informa que, no momento da viagem compartilhada entre Lupi e o tal Adair Meira, as ongs deste último ainda não tinham sequer fechado convênios com o Ministério. Se já não é crime o ministro partilhar jatinho com dono de ongs, muito menos é partilhar jatinho com dono de ongs que não tem (ainda não tinha, à época) relação com o ministério.

A matéria exibe o depoimento de Carlos Lupi, que afirma textualmente não ter nenhuma relação com Adair Meira, admitindo, porém, que provavelmente se encontrou com ele. Diz ainda que não viajou em jatinho pessoal de Meira. O texto do jornal, assim como vem fazendo todas as mídias, dão a entender que Lupi mentiu.

Não sei se ele mentiu ao dizer que não mantém relação pessoal com Meira. Mas Lupi admitiu que poderia ter se encontrado com Meira, e quanto ao uso de jatinho, disse que não usou o jatinho “pessoal” do figurão, e de fato não usou.

Daí o JN entrevista Meira e arranca dele declarações agressivas em relação ao ministro, dizendo que o conhece sim, e que viajou sim com ele em avião “indicado” por ele. Ora, há uma confusão aí, talvez deliberada. Lupi não disse que não o conhecia, mas que não tinha relação com ele. Não sei se Lupi fala a verdade, repito, mas o próprio afirmou, no depoimento aos deputados, que poderia ter se encontrado sim com Meira.

Na edição impressa do jornal O Globo, embora sem chamada na capa, temos uma matéria ocupando inteiramente a página 4, trazendo o mesmo tipo de inconsistência. É fácil para um repórter se aproximar de Meira e produzir a resposta desejada. E pela declaração de Meira, nota-se que lhe foi feita uma pergunta tendenciosa. Confiram o que disse Meira:

– Não quero dizer que o ministro está faltando com a verdade. Mas tenho elementos suficientes para ele lembrar. Ele não pode fazer daquele jeito que ele simplesmente não conhece, como se tivesse algo a temer, disse o empresário.

Lembremos que Meira é um dono de ongs cujas contas estão sendo rejeitadas pelo próprio governo. E que Lupi jamais disse que não o conhecia, ou que não o tivesse encontrado, mas simplesmente que não tinha “vínculos” com ele.

Nessa guerra de informações, versões e interpretações, o Ministério do Trabalho sofreu ao menos um revés importante. O blog do ministério havia publicado uma resposta neste final de semana, com fotos e tudo, dizendo que o jatinho usado pelo Ministro em 2009, em suas viagens pelo Maranhão, não era um King Air, mas um Sêneca. O Globo trouxe fotos publicadas pelo site maranhense Grajaú de Fato, com imagens do ministro saindo de um King Air (foto no topo do site) .

Confira a página do Globo:

A matéria do Globo traz ainda uma enorme coleção de verbos na condicional. Confiram esta pérola: “Emissários de Lupi teriam pedido para Ezequiel desmentir que o ministro estivesse nos vôos do avião alugado por Meira”. Não creio que o uso de verbos na condicional seja um bom exemplo de sintaxe jornalística.

O Globo também homenageia Lupi com um furibundo editorial, no qual dá sequência à estratégia da mídia de culpabilizar Lula, não Dilma, pelos supostos “malfeitos” de seus ministros.

No Estadão, temos apenas uma chamadinha discreta na capa, mas o principal espaço do caderno político é dedicado ao caso Lupi. A matéria segue a mesma linha traçada pelo Globo. Faz com que a confirmação de Meira de que conhece sim o ministro soem como um desmentido às declarações de Lupi, que na verdade nunca disse não conhecer Meira, mas apenas que não possuía “vínculos” com ele.

Por fim, a Folha dá manchete a uma outra denúncia contra Lupi, um caso já respondido no blog do Ministério na semana passada.

A resposta do ministério, por enquanto, é convincente: seguiu a lei e os procedimentos normativos legais que tratam da matéria, os quais dizem que o ministério deve apenas conferir se os documentos apresentados para abertura de um sindicato são corretos. Pode haver uma brecha ou falha na lei, ao permitir que se criem sindicatos mesmo em locais onde não exista a indústria a ser sindicalizada. Mas aí é um problema a ser resolvido pelo Congresso, não pelo Ministério do Trabalho.

Minha conclusão é que ainda há uma ação organizada dos principais veículos de mídia para derrubar o ministro Carlos Lupi. Não pretendo defender aqui o ministro. Não boto a mão no fogo por ele nem por político algum. Faço apenas uma análise crítica da mídia, apontando suas inconsistências. Ainda não encontraram a bala de prata que irá abater a vítima. Mas o jatinho de Lupi não para de chacoalhar. Terá que ser um modelo bem resistente e ser pilotado por alguém muito hábil para continuar voando.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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