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O futuro da Europa

Eu não acredito muito na histeria apocalíptica em torno da crise européia. Entendo que os imbróglios macroeconômicos são grandes, os países estão fortemente endividados, há problemas graves em termos de envelhecimento populacional, competitividade na indústria (em relação à Ásia, sobretudo) e descontrole imigracional. Mesmo assim, acho que há exagero.

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(O gráfico acima, extraído do Globo de hoje, me fez lembrar de como já enfrentamos crises infinitamente piores, aqui na América Latina, e as superamos. Por que a Europa não as superará também?)

Eu não acredito muito na histeria apocalíptica em torno da crise européia. Entendo que os imbróglios macroeconômicos são grandes, os países estão fortemente endividados, há problemas graves em termos de envelhecimento populacional, competitividade na indústria (em relação à Ásia, sobretudo) e descontrole imigracional.  Mesmo assim, acho que há exagero. Naturalmente, a Europa precisará experimentar um grande reajuste, sobretudo fiscal. Talvez tenha mesmo que enxugar os sistemas de seguridade social, o que é o aspecto realmente lamentável, mas penso que os europeus farão isso da maneira mais racional. E a infra-estrutura física, humana, cultural da Europa, é um patrimônio que não se esvai na primeira crise.

A primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, falou que o continente enfrenta sua maior crise desde o fim da II Guerra. É a mesma coisa que falaram há alguns anos. Creio que já falaram isso em várias ocasiões. E além disso, a Europa também quase não enfrentou problemas econômicos desde os anos 50. O continente viveu um longo período de prosperidade, transformando-se numa espécie de paraíso social, um lugar onde todos gostariam de visitar, morar, trabalhar. O sonho agora acabou, e os europeus voltam a encarar a realidade cruel do capitalismo global. Mas diante dos problemas já enfrentados pela Europa em seus vários séculos de história, os de hoje são fichina. Há conquistas que não se perdem tão facilmente. Os trens, as estradas, os portos, os aeroportos, as ruas, os sistemas de esgoto, de energia elétrica, e, sobretudo, o impressionante patrimônio cultural e artística do continente, permanecem como ativos de incalculável valor, sólidos, estáveis, que ajudarão a Europa a superar qualquer crise.

Por outro lado, a Europa merece os sofrimentos que hoje padece, em função de seus pecados cometidos, sobretudo na África. Nem me refiro às atrocidades do colonialismo, para as quais a Europa tem um espaço reservado no inferno, mas pela falta de visão de suas elites em não investir pesadamente no desenvolvimento econômico do continente negro. Resultado: quem está investindo na África hoje é a China, de olho num futuro grande mercado consumidor. Por que a Europa não pensou nisso antes? Por egoísmo, por conforto, por preconceito e por ignorância.

Seja como for, a Europa renascerá juntamente com o florescimento econômico da África. Os bilhões de africanos terão desejo de fazer turismo na Europa como todo cidadão cosmopolita com algum dinheiro no bolso, e importarão perfumes fraceses, máquinas de café espresso da Itália, vasos gregos e chocolates suíços. Desde que o mundo não entre novamente em nenhuma grande guerra, e infelizmente este é um cenário que ainda existe, vide as ameaças que EUA e Israel tem feito ao Irã, a Europa se acomodará a sua nova realidade. Terá que ser mais humilde, adotar políticas sociais mais modestas, mas não menos eficazes. Intelectuais europeus continuarão fazendo um trabalho excepcional para explicar o mundo e influenciar a política. O patrimônio cultural europeu ainda não foi plenamente assimilado até hoje, de maneira que é uma riqueza que ainda está se valorizando no mercado cultural do planeta. As raízes da nossa cultura, fincadas na Grécia, e as flores do Renascimento, que brotaram na Itália, constituem um tesouro sempiterno, e um testemunho imortal da capacidade de superação da humanidade.

A Europa vencerá mais essa, com certeza. Nós, da América Latina, temos enfrentado, nas últimas décadas, recessões infinitamente mais brutais, mais longas, do que as que ameçam a Europa hoje. E nossos povos tinham muito menos armas para se defender. E mesmo assim, conseguimos superá-las, embora ao custo trágico de milhões de vidas perdidas, vítimas da miséria e seus tentáculos mortais. Por que, então, a Europa não superaria suas dificuldades? A narrativa que vemos nos jornais é sempre apocalíptica, mas isso condiz com a realidade. A Europa de hoje tem muitos mais ferramentas para vencer a crise do que tinha no pós-guerra, quando emerge de quatro anos de trevas com uma economia destruída.

A solução européia, porém, não virá de uma postura egoísta, fechada, e sim de uma visão de longo alcance, principalmente em relação ao papel a ser desempenhado pela África em seu futuro. A crise européia poderia se tornar uma oportunidade de os europeus iniciarem uma nova abordagem em sua relação com seus vizinhos negros do sul. Mas também não sou tão otimista a ponto de achar que uma mudança cultural tão profunda acontecerá rapidamente. Talvez a crise na Europa precise se acentuar muito mais para que as coisas possam realmente mudar. Enfim, eu tenho fé no velho e bom humanismo europeu, onde sempre encontrei fartura e consolo espiritual. É nele, novamente, que eu vejo uma saída para os dilemas em que se encontram nossos avós.

Link da ilustração da capa.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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augusto

23/11/2011 - 15h29

e a eurolandia com meia duzia de anos de purgaçao, recessão, neoliberalizaçao e salvacionismo
via partidos tradicionais vai deixar russia, china, india e brasil deslancharem.
No estágio seguinte ela se recupera… vendo competidores mil jardas á sua frente.
depois luta pelas sobras da materia prima que houver na africa. Enfrentando naturalmente o ódio por parte do Islam como um todo logo após as atuais cruzadas da OTAN.


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