Fim da novela

Antes de entramos na seara política, que raras vezes nos traz boas notícias, vamos tomar dois revigorantes. O primeiro é escutar Água de Beber, de Tom Jobim, na voz calmante de Frank Sinatra.

E ler estes versos, da mesma canção, que deveriam ser gravados em bronze na porta da Fiesp.

Eu quis amar, mas tive medo
E quis salvar meu coração
Mas o amor sabe um segredo
O medo pode matar o seu coração

Fiesp? Sim, Fiesp. Os industriais ficam de tanta choradeira, com vistas a arrancar umas graninhas do governo, e ainda por cima acreditando nos jornais, e aí quando chega o Natal, acontece isso. Não é a primeira vez que pagam esse mico. As vendas do Natal estão “surpreendendo” e o comércio “sofre com estoque baixo“. Ou seja, a três semanas do Natal já está faltando produto nas prateleiras, porque não se acreditou – mais uma vez – na economia brasileira. Em alguns casos, os negócios já estão em 25% superiores aos registrados em 2010, que foi um ano de grande crescimento econômico. O amor, no caso o amor pelo Brasil, meus caros industriais, sabe que o medo… pode matar o seu coração, a nossa economia. Mas não vai não. De qualquer forma, essa é uma boa notícia.

Passemos à política.

A novela ganhou um breve posfácio antes do fim, o que lhe deu um temperinho diferenciado. Lupi não caiu na sexta, mas no domingo. O ministro do Trabalho divulgou carta em tom varguista culpando a perseguição midiática. Dilma divulgou outra aceitando a demissão e agradecendo os serviços prestados.

Os jornalões deram grandes manchetes à mais uma “vitória”. De fato, a imprensa “livre” sai ainda mais fortalecida do episódio. Como um Bruce Lee (foto na capa do blog), faz gracinha com as mãos chamando a próxima vítima. No domingo, a matéria principal da seção política nos informa que o atual Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, que é uma espécie de braço direito da presidente, faturou R$ 2 milhões em consultoria entre 2009 e 2010, antes de assumir o ministério. O caso está longe de se parecer ao de Palocci: Pimentel não exercia cargo público, jamais tinha sido ministro (e não podia saber que o seria), e os R$ 2 milhões em dois anos são bem diferentes dos R$ 20 milhões em um só ano que o Palocci embolsou em 2010. De qualquer jeito, o Globo de hoje dá um bom espaço para Pimentel se defender. Segundo Pimentel, seus ganhos totalizaram, na verdade, R$ 1,2 milhão em dois anos (ou R$ 50 mil por mês), porque o resto foi pagamento de impostos, já que todos os serviços prestados foram registrados na Receita.

No entanto, já ficou bastante claro que os ministérios são o flanco mais vulnerável do governo. Ainda mais agora que temos instituições de controle agindo com severidade, com destaque para uma CGU cada vez mais fortalecida e prestigiada, que vem reprovando sem piedade convênios e licitações irregulares. Temos Siafi, o portal da CGU, o Portal da Transparência. Imagino que o governo federal brasileiro deve ser o mais transparente do mundo, o que lhe confere instrumentos bastante eficazes para combater a corrupção, que ainda é muito alta, e ao mesmo tempo oferece constantemente um flanco vulnerável a seus adversários. O que estamos assistindo, portanto, são os espasmos decorrentes de um processo doloroso e profundo de depuração ética e mudança cultural.

Se olharmos bem, mesmo os escândalos denunciados pela imprensa, tiveram origem em figuras revoltadas com as penalidades e o expurgo que sofreram no governo, como foi o caso de João Dias, o ex-PM, que decidiu se vingar do ministério do Esporte depois de constatar que a pasta não recuara em sua determinação de pedir a devolução dos recursos que havia lhe repassado.

A imprensa agora deu para falar em “herança maldita” e culpar o lulopetismo pelos desvios descobertos, mas omite que eles são descobertos através dos sistemas de controle e transparência implantados por Lula, aí incluindo uma Polícia Federal reforçada. Mesmo que eventualmente a denúncia venha inicialmente de um órgão de imprensa, é através da transparência que a imprensa consegue sondar em profundidade os desvios em questão.

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Abaixo, algumas fotografias que tirei dos jornais desta segunda-feira.

 

 

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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