Escondendo recordes

Nesta segunda-feira, dia 2 de janeiro, o governo divulgou os números do comércio exterior referentes a 2011. O sistema brasileiro de apuração estatística de comércio exterior é, sem exagero, o mais transparente e dinâmico do mundo. Em nenhum outro lugar, divulgam-se resultados de comércio exterior do mês anterior no primeiro dia útil do mês seguinte.

Não é ufanismo barato. Sou jornalista especializado em comércio exterior (mais especificamente em café) há quinze anos e monitoro a divulgação de estatísticas online em todo planeta. O Brasil é o que divulga mais rápido, e da maneira mais completa.

Digo isso porque me parece incrível que, diante de uma riqueza tão grande de números, nenhum dos três principais jornais brasileiros deu qualquer destaque na primeira página.

É uma coisa até meio doentia. Folha e Estadão não deram sequer uma notinha na capa e olha que os números foram divulgados ontem à tarde, às 15:30, o que lhes daria tempo de sobra para fazer até um caderno especial sobre o assunto, se quisessem.

Repare nas manchetes de hoje:

Não consigo entender o que leva um editor de capa do Globo, um jornal que circula em todo país, a pensar que a redução dos “gatos” de luz em meia dúzia de favelas cariocas é uma manchete melhor do que uma sobre o desempenho recorde do comércio exterior.

As matérias nos cadernos internos foram acanhadas, pequenas, tímidas. No Globo, o tema mereceu a capa do caderno de economia, mas num texto resumido e fraco, entrevistando junto ao setor privado apenas uma fonte, o presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior, José Augusto de Castro.

Eu entendo – e acho saudável – que a mídia queira se distanciar do ufanismo natural do governo. É importante que a imprensa destaque os pontos negativos, que sempre haverão, em nosso comércio exterior. Mas abafar o assunto, como se viu, ao ignorá-lo na primeira página, não me parece nada profissional. Enfim, os jornais são privados e eles fazem o que lhes dá na telha. Deixa pra lá.

Encontrei, ao menos, alguns infográficos bonitinhos. Os de baixo estão no Globo:

 

 

A tabela abaixo, por sua vez, eu catei no site do Ministério de Desenvolvimento. Ela traz números sobre a exportação de manufaturados, que comento abaixo.

O que vai render assunto para o Cafezinho de hoje e nos próximos dias, no entanto, é a manipulação da notícia. Por exemplo, na matéria sobre comércio exterior, o Globo dá destaque à queda na exportação de automóveis. De fato, a exportação de automóveis de passageiros caiu 1,2% em 2011; mas seria honesto informar também, na mesma matéria, que as vendas externas de autopeças cresceram 15%; a de motores, 26%; a de veículos de carga, 30%. O setor automotivo deve ser visto como um todo, e no conjunto, o ano de 2011 foi bem melhor do que se esperava, tanto no comércio exterior quanto no mercado doméstico, onde, aliás, registrou venda recorde (o que inclusive explica em parte o não crescimento da exportação de carros de passageiros: o mercado interno absorveu a produção).

Repare ainda que a exportação de manufaturados cresceu 16% em 2011, atingindo 92,30 bilhões de dólares. O Globo simplesmente omitiu esse número, preferindo dar destaque à queda de 13% na exportação de calçados, item que corresponde a 0,5% do total exportado pelo país.

Talvez a razão para a mídia esconder os números de comércio exterior tenha motivos políticos, temendo que a exposição de uma conjuntura econômica positiva possa ampliar ainda mais a popularidade do governo. A obsessão oposicionista da imprensa brasileira está produzindo um jornalismo esquizofrênico.

O saldo comercial brasileiro subiu 48% no ano passado, em plena crise financeira mundial, atingindo quase 30 bilhões de dólares. Neste ponto, é positivamente ridículo o viés negativo que a mídia procura dar ao aumento das importações, reflexo de ideias vira-latas (que infelizmente já ditaram políticas públicas) segundo as quais deveríamos obter saldos comerciais através de medidas recessivas que reduzem as importações através do empobrecimento do cidadão. Não é ruim importar mais. Quanto mais rico se torna o país, mais importa. É uma lei econômica. Seria ruim se tivéssemos grande déficit cambial. Temos o contrário, um saldo positivo crescente e batendo recordes. As importações geram impostos, que são aplicados (em tese, ao menos) em educação e saúde, e permitem às indústrias renovarem seus maquinários, já que grande parte das importações brasileiras são de bens de capital – ou seja, máquinas industriais que permitirão a modernização do parque fabril nacional.

O problema da concorrência chinesa, que é real e grave, afeta indústrias do mundo inteiro. Nem sei se aprovo a onda protecionista que vem ganhando força no governo; mas enfim, ela é feita com boas intenções e, caso seja acompanhada de incentivo à renovação tecnológica, pode dar certo. O que importa é ver que as exportações de manufaturados estão subindo, mesmo que num ritmo inferior ao desempenho das commodities.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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