Domingo sangrento

(Ilustração da capa: Jonathan Meese. )

 

Nunca uma citação caiu tão bem!

Portanto, és inescusável quando julgas, ó homem, quem quer que sejas, porque te condenas a ti mesmo naquilo em que julgas a outro; pois tu, que julgas, fazes o mesmo. São Paulo, Epístola aos Romanos 2:1

São Paulo exortava aos cristãos recém-convertidos em Roma que não fossem fanáticos, que não condenassem ou julgassem os outros porque não conheciam a palavra de Cristo ou porque cometiam pecados. A tolerância de São Paulo foi uma genial estratégia de marketing. Dificilmente uma religião muito rígida seria bem sucedida na licenciosa sociedade romana. 

A exortação vale para o senador Demóstenes Torres, que hoje está sendo queimado vivo na pira da opinião pública nacional.

Ao falar assim, São Paulo reescrevia máximas do Antigo Testamento: “Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo” e “não há homem justo sobre a terra, que faça o bem, e nunca peque”. Eclesiastes, 7.

Aplicado à situação que vivemos hoje, e mais precisamente ao caso Demóstenes-Cachoeira, eu interpreto o pensamento do Eclesiastes da seguinte maneira: não é que ninguém, político ou não, deva se eximir do combate à corrupção, mas sim que este combate deve ser focado no aperfeiçoamento das instituições. Condenações açodadas, levianas, feitas para se aparecer na mídia como um campeão da ética, como fazia Demóstenes, são típicas de fariseus e falsos moralistas.

O que assistimos agora, por exemplo, é a prova disso. A operação Monte Carlo, que prendeu Carlos Cachoeira e pegou Demóstenes, mostra a importância de uma Polícia Federal republicana, bem equipada e com boa auto-estima. A mídia até agora não fez nenhum editorial elogiando a PF, que inclusive cortou fundo na própria carne, prendendo delegados federais e servidores públicos. Ao contrário, só tem publicado artigos chorosos e lacerdistas sobre o tema,  falando em degeneração moral do país e outras xaropadas.

O Cafezinho, então, utiliza este espaço para fazer um cumprimento à Polícia Federal pelo excelente trabalho. Se o presidente fosse José Serra, o cumprimento continuaria o mesmo. Esperemos agora que o Supremo Tribunal Federal (STF) atue no sentido de ajudar a PF a combater a corrupção, e não acatar as chicanas dos advogados de Demóstenes para anular a investigação.

Analisando a mídia do final de semana e desta segunda-feira, vemos que Demóstenes já foi lançado aos leões. Nem vale a pena comentar. Tema mais candente é a descoberta de mais de 200 ligações entre Cachoeira e Policarpo Júnior, o principal repórter da Veja. O público ficou sabendo que Cachoeira era sua principal “fonte”. Com ajuda de espionagem ilegal, Demóstenes pautava a revista, e com isso acabava pautando as agendas políticas desta grande e (pelo jeito nem tão) viril nação brasileira!

O Nassif, um renhido admirador da Veja, fez um post exclusivamente sobre o assunto.

Paulo Henrique Amorim, do blog Conversa Afiada, tem desferido iradas críticas à incompetência do governo federal (mais especificamente na gestão Lula) ao não detectar que havia um conluio entre crime organizado, imprensa e oposição para aplicar um golpe político.

Concordo com PHA que o serviço de inteligência do governo é um tanto precário, mas talvez (espero) tenha melhorado. A operação Monte Carlo e a queda de Demóstenes são indícios de uma evolução. Só acho que PHA exagera um pouco a possibilidade de uma derrubada de governo. A mídia faz muito estardalhaço, cria uma atmosfera de crise e golpe, mas já se constatou que, hoje em dia, late muito mais que morde. Na hora da eleição, tanto no sufrágio popular quanto nas votações do Congresso, tem perdido sistematicamente. Um impeachment de um presidente só é possível quando há uma crise econômica muito grave e o titular estiver no ponto mais baixo de sua popularidade. Nunca foi o caso de Lula nem parece que Dilma sofrerá desse mal. Ao contrário, Dilma está engolindo e digerindo a mídia de oposição. Não vejo clima para golpe.

A guerra contra o conluio entre crime organizado e mídia precisa ser feita com frieza e objetividade. É preciso investigar detidamente o conteúdo do relatório da Monte Carlo, já disponível na internet, para ver se há mais alguma coisa de mais concreto envolvendo a Veja.

Volume 1Volume 2Volume 3.

De qualquer forma, foi uma diversão algo assustadora (como ver gladiadores se estraçalhando, na Roma Antiga) assistir a violentas guerras verbais entre blogueiros e seus exércitos de comentaristas. Os blogs 247, o de Reinaldo Azevedo, o Conversa Afiada e o de Luis Nassif, travaram uma disputa sangrenta neste domingo. O blogueiro da Veja parecia um psicopata furioso a defender Policarpo, atacando a tudo e a todos com sangue na boca.

Vale refletir, contudo, numa outra máxima de Eclesiastes : “Não te apresses no teu espírito a irar-te, porque a ira repousa no íntimo dos tolos.”

Investiguemos com a razão, não com o fígado. 

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O Globo manchetou hoje uma denúncia de atrasos nas obras do PAC. Esse é o problema mais grave do Estado, a sua falta de preparo físico para lidar com o novo momento. Por isso, o PAC não é só um conjunto de obras; representa também uma transformação (mais lenta do que se gostaria, mas firme) da própria gestão. Essa é a razão, a meu ver, de Lula ter escolhido Dilma para sucedê-lo: pela consciência de Lula da magnitude desse desafio, e pelo temor que nenhum outro político teria condições de superá-lo. Se enfrentamos problemas com Dilma, reconhecida como uma gestora pública de competência excepcional até por seus adversários, exigentíssima e cultora do mérito, imagine como estaríamos nas mãos de outro chefe de Estado, mesmo que bem intencionado?

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A Folha de hoje traz uma reportagem crítica ao PSDB em São Paulo.  Clique na imagem para ampliar. 

 

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A mídia não deu nenhum destaque, porém, ao que parece ser um brutal abuso de poder e ataque à imprensa por parte de grupos ligados ao governador Marconi Perillo, também envolvido em suspeitas de participar do esquema do bicheiro Carlos Cachoeira: a denúncia de que a edição da Carta Capital foi inteiramente recolhida das bancas em Goiás. 

Aliás, vale a pena olhar reportagem de hoje na Folha, intitulada Todos os Homens de Cachoeira, onde o nome de Marconi aparece em destaque:

 

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Hoje temos duas notícias econômicas bem positivas. Uma é um pacote do governo de ajuda à indústria, coisa de 20 bilhões em redução de impostos e incentivos. Apesar da minha tese de que não há nenhum processo em massa de desindustrialização, não nego que existem setores em crise, e que uma ajuda ao governo pode contribuir para que eles possam enfrentar melhor a concorrência asiática. Mesmo que o pacote não impeça o fechamento de fábricas, somente o fato de retardar este processo já representa um colchão social, porque dá tempo a trabalhadores, empresários e credores a fazerem uma transição menos traumática. 

A outra notícia é o anúncio da Cisco, fabricante de equipamentos para redes de comunicação, que vai investir R$ 1 bilhão no Brasil até 2015. A informação também não ajuda muito à tese de “desindustrialização”. 

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Estou deixando os posts inteiramente disponíveis para não-assinantes porque estou fazendo uma reformulação do marketing do site. A pedidos de muita gente, vou baixar um pouquinho os preços das assinaturas mensais e simplificar a página de assinatura. 

Já atualizei a página de assinatura, reduzindo o preço da assinatura mensal para R$ 30 e da trimestral para R$ 90. A assinatura anual não muda porque já era promocional. 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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