Cobertura do criolo doido

Ilustração capa: Leonilson.

Fiquei meio fora do ar na quarta-feira, e só hoje fui ler os jornalões de ontem e hoje. Realmente, o Brasil é um lugar emocionante para analistas políticos de mídia. Em dois dias, a quantidade de notícias, boatos, manipulações, novos escândalos, reviravoltas, é de tirar o fôlego! Entendo perfeitamente os amigos que se mantém por fora dos debates políticos. É muito cansativo acompanhar tudo que acontece, e talvez valha mais a pena não saber de nada do que se informar pela metade. Mesmo os “especialistas”, “analistas”, como eu pretensiosamente me intitulo, muitas vezes sinto os miolos explodirem de tantas intrigas midiáticas fervendo na cachola. Tenho que estar sempre com o cérebro 100% para poder analisar. Se tomar um chopinho, estiver sonolento, ou emocionalmente alterado, não consigo fazer um bom trabalho.

De tudo que li nos últimos dias, pode-se concluir duas coisas:

  1. A CPI se tornou uma realidade bombástica na política brasileira, e já temos novos escândalos pipocando diariamente.
  2. A imprensa corporativa, chamada carinhosamente de PIG por alguns colegas, vem empregando toda a sua experiência e malícia para promover sua desconstrução simbólica.

Um dia o PT não quer a CPI, no dia seguinte é a CPI do PT. Num dia, o governo é contra a CPI, no outro a CPI é governista e interessa ao governo. Num dia, Lula e Dilma divergem quanto aos rumos da CPI, no dia seguinte os dois aparecem juntos em Brasília, abraçados e afirmando que seus ponteiros encontram-se tão afinados como de dois relógios suíços.
Enfim, o leitor se vê completamente perdido, e se não tiver uma cabeça muito boa, ver-se-á emitindo opiniões destrambelhadas, como aliás é tão comum no leitor incauto de jornais.

Por outro lado, é a imprensa que temos. É nela que veremos os escândalos, de governo e oposição, mostrados em reportagens diagramadas com cuidado, ao lado de infográficos, fotos e colunas de opinião.

Uma coisa que tenho notado, em comentaristas de blogs dos quais gosto muito, é que eles vem confundindo as bolas quando falam numa nova lei das comunicações. Dizem que, se o governo tivesse coragem, faria um nova lei e não haveria mais manipulações da mídia impressa.

Ora, isso não é verdade. Em primeiro lugar, uma nova lei das comunicações, ou da mídia, só vai afetar mesmo a tv. Jornais e revistas tem uma liberdade quase intocável.

Além do mais, as injustiças mais irritantes (e também mais idiotas) da imprensa escrita são justamente aquelas mais sutis, que nunca serão (nem deveriam ser) limitadas por lei alguma. A liberdade de expressão tem um preço político alto: ela protege, sob o mesmo guarda-chuva, pilantras e honestos da opinião, até porque os dois às vezes se interagem. O mesmo sujeito que opina de forma honesta sobre um tema, torna-se um abutre inescrupuloso quando tem algum interesse atingido. Não existem santos, nem no PIG nem na blogosfera. Somos todos farinha do mesmo saco. A diferença da blogosfera é sua diversidade democrática. Não é uma diferença de ordem moral, mas de ordem política e estrutural. Como diria Marx, a quantidade blogosférica garante-lhe a qualidade.

Por esses dias, a Folha tentou associar o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, ao esquema Cachoeira, ao dar notícias sobre “encontros” ou “reuniões” do ministro com representantes da indústria farmacêutica de Goías, entre os quais havia gente do bicheiro, visto que ele possuía empresas do ramo de remédios. Ora, é algo tão imbecil que nos deixa até desanimados para analisar.  Se Fernandinho Beira Mar ou Bin Laden fossem donos, ocultos ou não, de empresas de remédio, o ministro encontrar-se-ia com seus representantes.  Enfim, confiemos no tutano do brasileiro.

A cada dia, fica mais claro que o cerne da CPI está em Demóstenes Torres. Claro está, também, que o senador não hesitava em usar de suas relações políticas para obter vantagens para o esquema Cachoeira. Aécio, arruma um emprego para tal moça [prima do Cachoeira]? Claro, Demóstenes, dá o nome e tá nomeada!  Juízes, promotores, advogados, todo mundo recebeu o senador, deu-lhe a atenção devida ao prestígio de seu cargo, e com isso ajudaram indiretamente a um bando de ladrões.

Os colunistas políticos ligaram na máxima potência a maquininha que eles possuem para conhecer os pensamentos mais íntimos da presidenta Dilma, do ex-presidente Lula, sabem o que conversaram reservadamente minutos após ambos se falarem. Diariamente, aparecem “fontes” do Planalto com afirmações que são negadas depois pelo Planalto. O compromisso com a verdade perdeu o sentido.
Os jornais são razoavelmente (ou eventualmente)  bons quando se limitam a reportar os fatos. Quando o jornalismo envereda para a cobertura política subjetiva, o trem descarrilha.
*
Gostaria ainda de ressaltar algumas notícias que considerei bastante relevantes.

1) Analista inglês observa que a votação da Marine Le Pen, do partido da extrema-direita, não foi tão incrível como a mídia fez pensar nos primeiros dias. Em outros anos, já teve resultados mais expressivos. A Folha traduziu o artigo do The Guardian, ainda não achei um link.

2) PF diz que Cachoeira deu dinheiro para Marconi Perillo, governador de Goiás.

3) Lula nega divergência com Dilma.

4) Segundo Jânio de Freitas (ou seria Clovis Rossi?), na Folha, autoridades de Israel afirmam que Irã ainda não decidiu construir uma bomba nuclear.  Ainda estou fora do Rio, e minha internet está meio capenga, então não consegui dar o link para esta matéria, que tem o valor de um suspiro de alívio e joga um pouco de água fria no fogo dos lobistas da guerra.
 

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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