Bahia: Refinaria privatizada provoca desabastecimento de Gás de Cozinha

O diabo no meio do mensalão

Por Miguel do Rosário

02 de outubro de 2012 : 19h22

(Guimarães Rosa, autor de Grande Sertão Veredas)

O diabo existe? A pergunta é falsamente ingênua, porque esconde uma dúvida metafísica muito complexa sobre a existência ou não do mal. Riobaldo, o protagonista de Grande Sertão, acha que todos os sábios deveriam se reunir para decidirem, de uma vez por todas, se há ou não um capeta assombrando o mundo.

A mídia brasileira encontrou, nos ministros do Supremo Tribunal Federal, os sábios que faltaram à Riobaldo: sete juízes entenderam que sim, que o diabo existe, ou seja, que o mensalão foi compra de voto de parlamentares.

A Procuradoria, as CPIs e toda a mídia brasileira, passaram quase sete anos à procura de um testemunha ou prova consistente que afirmasse a tese da compra de voto. Centenas – talvez milhares – de pessoas foram interrogadas, entrevistadas, devassadas, e todos asseguraram que não, que não houve venda de voto. Não importa. A nossa democracia agora é governada por sete sábios. São eles que dão a palavra final.

O STF produziu uma armadilha para si mesmo, e entrou nela. Desde o início dos debates, muita gente via, estarrecida, que os ministros enveredavam por uma trilha perigosíssima, ao estabelecerem que não havia necessidade de provas ou “atos de ofício” para condenarem os réus. Então, quando todos achavam que o festival de arbitrariedades havia atingido o clímax, eis que ele piora, e o ministros, constrangidos pela dificuldade em condenar sem “ato de ofício”, decidem que o ato de votar é o crime final do parlamentar envolvido no escândalo do mensalão.

Os ministros, no afã de demonstrar a existência do Dito-Cujo, trouxeram-no para dentro do tribunal. Em algum momento dos debates, veremos um redemoinho de papéis num canto do salão. É ele mesmo, o Sem-Nome, rindo-se dos juízes, da imprensa, de nós todos.

Outrora dizia-se que ainda havia juízes em Berlim. Grande ironia da história! Quando a democracia desaba, encontra-se um ou dois juízes tentando salvá-la. Quando a democracia chega a seu momento mais pujante, eis a maioria dos juízes disputando quem a violenta primeiro.

Por sorte ainda temos Wanderley Guilherme, e Blaise Pascal. O primeiro nos lembra o óbvio: que todo acordo eleitoral implica em convergência política. Quando dois partidos fazem um acordo, não é para “inaugurar retratos” nas respectivas sedes. Consegue-se o apoio de uma legenda com o fim de que seus parlamentares concretizem essa parceria na forma de votos. E apoio político, numa democracia altamente concorrencial e capitalista como a brasileira, implica, necessariamente, em acordos eleitorais envolvendo despesas de campanha. Criminalizar isso é criminalizar a própria democracia. É glorificar a hipocrisia.

Se o mensalão foi compra de votos, ou seja, se o governo comprou a consciência dos políticos, então a reeleição de Fernando Henrique Cardoso foi o quê? A própria Constituição de 1988 teria sido “comprada”?  Sim, porque não é sensato pensar que os parlamentares que a promulgaram não receberam dinheiro para tocar suas respectivas campanhas, sendo que boa parte desses recursos, provavelmente, não foi contabilizada. A sabatina de cada ministro do STF também não foi objeto de comércio ilegal? Como o STF pode saber, aliás, qual exatamente foi o voto comprado? Um parlamentar pode receber dinheiro hoje por um voto que já deu na semana anterior. Pode receber adiantado para votar daqui a um mês. Ou seja, até a “coincidência” da datas, que os juízes estão ridiculamente usando como indício de crime, não significa absolutamente nada!

O que os ministros estão fazendo, para o deleite da mídia conservadora, é criminalizar a política brasileira. O discurso de Celso Mello, ontem, representou uma agressão insuportável aos valores democráticos e à nossa própria soberania. Foi um discurso de golpe, com o qual se poderia justificar qualquer violência contra o sufrágio popular. Todos os preconceitos que emergiram com a vitória de Lula voltaram a se manifestar, com força total, nos recentes discursos desses magistrados. Por que não agiram com ira similar quando o réu era Daniel Dantas, um dos maiores corruptores de políticos de que se tem notícia?

Pascal, por sua vez, lembra-nos que “nada é justo em si” e que “nada é tão falível como essas leis que reparam as faltas: quem lhes obedece, porque são justas, obedece à justiça que imagina, mas não à essência da lei, que está encerrada em si: é lei e nada mais”.

Celso Mello e seus colegas deveriam reler Pascal antes de se arvorarem paladinos da justiça, da ética e da moralidade. Não porque não sejam éticos e justos, mas porque esses temas pertencem à esfera da pesquisa filosófica, e mesmo assim, objetos de infinitas controvérsias. Quando entra em jogo a política, então, nos deparamos com uma quantidade de areia muito superior ao caminhãozinho dos juízes.

Não questiono o saber jurídico dos excelentíssimos, mas que se atenham a examinar os autos, que para isso pagamos-lhes os salários. Deixem as interpretações arbitrárias sobre o fazer político para seus momentos de lazer.

Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

Apoie O Cafezinho

Crowdfunding

Ajude o Cafezinho a continuar forte e independente, faça uma assinatura! Você pode contribuir mensalmente ou fazer uma doação de qualquer valor.

Veja como nos apoiar »

23 comentários

Os comentários aqui postados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site O CAFEZINHO. Todos as mensagens são moderadas. Não serão aceitos comentários com ofensas, com links externos ao site, e em letras maiúsculas. Em casos de ofensas pessoais, preconceituosas, ou que incitem o ódio e a violência, denuncie.

Escrever comentário »

nina rita de cássia

03 de outubro de 2012 às 22h55

Eu acabei de mandar e-mail para o STF, com o seguinte um texto mais ou menos assim:

Senhores ministros, as pessoas lúcidas ainda esperam um julgamento lúcido, sensato, digno do Estado de Direito, pelo qual tanto esperamos. Os políticos, em sua ação como tal, devem ser julgados pelos pares e/ou por nós, o povo. Exponha-os aos pleitos eleitorais e conhecerão nosso veredictum. A História já os consagrou. O PT é um patrimônio nacional. Deve ser tratado com respeito. É o único partido político, propriamente dito, que temos. Os da oposição, não têm ideologia política alguma, muito menos moral para julgar os petistas. Sabemos bem que tudo não passa de uso de caixa 2 na campanha eleitoral. Bem como sabemos que o PT sempre foi criticado por seu sectarismo, por não fazer alianças. Se o fez, foi porque teve que se adaptar a hábitos profundamente arraigados na cultura nacional. Não subestimem tanto assim a inteligência do povo brasileiro. Não somos Homers Simpsons. Tanto que não se deixa guiar pela grande midia disponível, de péssima qualidade. Uns panfletos ideológicos escritos por séquitos de obscurantistas ignorantes movidos por ódio e inveja, e interesses inconfessáveis. Tanto o povo simples, quanto brilhantes intelectuais os ridicularizam. Só persistem nesse “trabalho jornalístico” porque mantidos por verbas públicas. E porque suas midias não são interativas. Se o fossem, saberiam o que pensamos deles, e já estariam há muito tempo em seu lugar, fora dos meios de comunicação. É lamentável que ministros do STF se deixem influenciar por tais “comunicadores”.

Responder

alex

03 de outubro de 2012 às 14h23

QUEM TEM PADRINHO NÃO MORRE PAGÃO

Walfrido dos Mares Guia, que coordenou a campanha à reeleição de Eduardo Azeredo, em 1998, completará 70 anos e poderá requerer a prescrição; recursos de estatais mineiras alimentaram o valerioduto, no que foi o laboratório do mensalão; Joaquim Barbosa engavetou o processo.

Em 1998, Azeredo utilizou as agências de Marcos Valério, a DNA e a SMPB, para financiar suas campanhas. Estatais mineiras, como a Cemig e a Copasa, carrearam recursos para um evento de motociclismo conhecido como “Enduro da Independência”, que simulou gastos com publicidade.

Na relação de sacadores do mensalão mineiro, ou mensalão tucano, consta até o nome do senador mineiro Aécio Neves, que teria recebido R$ 110 mil e se elegeu deputado, antes de se tornar presidente da Câmara dos Deputados, assim como João Paulo Cunha.

Mas, ainda que o caso seja anterior ao do PT, ele ficou engavetado. O ministro Joaquim Barbosa, que deveria ser o relator, comentou que não havia o mesmo interesse por parte dos meios de comunicação.

Barbosa também já avisou que não levará para seu gabinete o caso de Azeredo, quando assumir a presidência da corte, em novembro. O processo, portanto, terá que ser distribuído para um novo relator.

leia mais:
http://www.brasil247.com/pt/247/minas247/82102/Piv%C3%B4-do-mensal%C3%A3o-tucano-pode-ter-pena-prescrita.htm

Responder

    Elson (o troll)

    03 de outubro de 2012 às 21h19

    Alguém poderia explicar para o “Jênio” acima que Walfrido dos Mares Guia FOI MINISTRO DO TURISMO DE LULA em 2003????

    O Desespero bateu…

    Responder

alex

03 de outubro de 2012 às 14h22

É TUDO OU NADA!

Candidato denuncia:
Globo quis me comprar !

Levy Fidelix diz ter recebido oferta para desistir do debate em troca de espaço dentro da cobertura jornalística da Globo.
Rede Globo é alvo de pedido de CPI após cancelar debate na capital paulista

A Rede Globo de Televisão será alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, na Câmara dos Deputados, se for aprovado o pedido formulado por Levy Fidelix, presidente do PRTB.

A demanda iniciou-se nesta quarta-feira, após a emissora cancelar, na véspera, o debate que seria realizado nesta quinta-feira entre os candidatos à Prefeitura de São Paulo.

Fidelix afirmou que contará com o representante de seu partido na Câmara, o deputado federal Auréo Lídio Moreira Ribeiro (RJ), entre outros apoiadores no Legislativo para instaurar um processo contra a emissora, que, segundo ele, tem problemas com a arrecadação de impostos.

Levy venceu uma ação contra a rede de TV, movida na Justiça Eleitoral de São Paulo, que pretendia realizar o debate de São Paulo com, no máximo, seis candidatos, e deixar de fora o postulante do PRTB.

Com base na Lei Eleitoral, que garante participação de um concorrente cujo partido possui representantes na Câmara dos Deputados, Levy garantiu, em primeira instância, a sua participação no programa.

A Globo, no entanto, recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TER/SP), mas, segundo nota da própria emissora, o debate foi cancelado “devido à falta de tempo para garanti-lo na Justiça”, uma vez que o TSE ainda não se decidiu sobre o assunto.

leia mais:
http://www.conversaafiada.com.br/pig/2012/10/03/candidato-denuncia-globo-quis-me-comprar/

Responder

Elson

03 de outubro de 2012 às 11h46

Como sempre matou a pau.
Com certeza os réus do núcleo político serão condenados, não pelos supostos crimes que teriam cometidos, más por serem do PT ou aliados.
Pode ser que eles sejam absolvidos em uma corte estrangeira, más até lá o estrago estará feito e vai ter gente puxando cana por crime que não cometeu.

Responder

@cleanil

03 de outubro de 2012 às 11h16

O diabo no meio do mensalão http://t.co/VkosLTRk via @sharethis

Responder

P.P. Buxbaum (@ppbuxbaum)

03 de outubro de 2012 às 11h11

STF, a casa dos preconceitos, do demo… enfim, o túmulo da democracia. http://t.co/j6erXZIq … via @migueldorosario

Responder

Ninguém

03 de outubro de 2012 às 10h11

Como sempre, Miguel, você é uma das vozes mais lúcidas da análise política brasileira.

A pergunta que fica é a seguinte: o quê nós, cidadãos comuns, podemos efetivamente fazer, para combater esse absurdo? O STF assumiu um papel que não lhe cabe e de modo completamente questionável (ignorando a presunção da inocência e condenando sem provas), criando, assim, um precedente que pode ser usado a qualquer momento, para dar um “golpe branco”.

Isso que o STF está fazendo é um crime contra a democracia. Só não enxerga quem não quer ver.

E o que me deixa mais angustiado é o fato de a maioria dos políticos não ter colocado a boca no trombone.

Responder

P.P. Buxbaum (@ppbuxbaum)

03 de outubro de 2012 às 09h43

STF, a casa dos preconceitos, do demo… enfim, o túmulo da democracia. http://t.co/j6erXZIq via @migueldorosario

Responder

@ferreirajunior

03 de outubro de 2012 às 09h39

Artigo interessante, dentro de muitos “pitacos” sobre o Julgamento da AP470: http://t.co/YpxXCRrc

Responder

@BetoMafra

03 de outubro de 2012 às 08h05

#RedePT13 #GolpeNUNCAmais – @STF_oficial, no afã de achar seu BODE EXPIATÓRIO, criminaliza TODA A POLÍTICA BRASILEIRA. http://t.co/dg5AYhI8

Responder

@Aeveraldo61

03 de outubro de 2012 às 05h47

Uma outra visão. Clara e incontestável. Chega de Teatro.!!!
O diabo no meio do mensalão – http://t.co/mcJk3Bja

Responder

spin

02 de outubro de 2012 às 22h26

O processo tramita por quase dois mil dias e, pasmem, o julgamento de dirigentes petistas coincide com a reta final das eleições, com Serra e Haddad disputando cada voto para ir ao segundo turno. Uma coisa é certa, de boba a nossa elite não tem nada, esse julgamento político foi acertado de forma milimétrica por quem muito bem sabemos.

Responder

spin

02 de outubro de 2012 às 22h23

decidem que o ato de votar é o crime final do parlamentar envolvido no escândalo do mensalão.

Nem na ditadura o voto foi criminalizado dessa forma, estou meio zoró, sem saber aonde quer chegar o trio mídia-suprema corte-oposição.

Responder

paulão

02 de outubro de 2012 às 22h21

Que os juizes deixem para o pig as tentações autoritárias

Responder

Julio Cezar Cruzeta (@jcruzeta)

02 de outubro de 2012 às 22h02

O diabo no meio do mensalão http://t.co/btA1SnYD via @sharethis

Responder

@DarioAlok

02 de outubro de 2012 às 21h06

muito bom… RT @migueldorosario: @luisnassif O diabo no meio do mensalão http://t.co/V1Qp4m5p

Responder

@M_Tardelli

02 de outubro de 2012 às 20h49

O diabo no meio do mensalão http://t.co/TsIsVAYT via @sharethis

Responder

migueldorosario (@migueldorosario)

02 de outubro de 2012 às 20h37

@luisnassif O diabo no meio do mensalão http://t.co/f4pPGyBh

Responder

Leonardo

02 de outubro de 2012 às 20h01

Parabéns de novo, Miguel. Temos de rechaçar o golpismo dos que se colocam acima da lei. Os ministros do STF são intérpretes da lei; os que confeccionam a lei, ou seja, os legisladores, são os políticos, cujo poder é conferido diretamente pelo povo. Zombar da classe política é desprezar a população. E convenhamos, o judiciário não está em condições de dar lição de moral em ninguém. Ou algum condenado do mensalão ganhará aposentadoria compulsória e vitalícia, como os juízes envolvidos em venda de sentenças?

Responder

@ValterSanches

02 de outubro de 2012 às 19h40

O diabo no meio do mensalão http://t.co/LqjjNDtz

Responder

@movalente

02 de outubro de 2012 às 19h36

O diabo no meio do mensalão http://t.co/ycmk1TBn via @sharethis

Responder

migueldorosario (@migueldorosario)

02 de outubro de 2012 às 19h22

O diabo no meio do mensalão http://t.co/hMVcS3hj

Responder

Deixe um comentário