Lições da derrota

O julgamento da Ação Penal 470, da maneira como está sendo conduzido, interpretado e, sobretudo, divulgado pela grande mídia, representa um triste derrota para a esquerda brasileira. Em outra circunstância, poderia encetar desdobramentos sinistros, como produzir ambiente para um impeachment, ou simplesmente desastrosos, como dar condições à direita de ocupar novamente o Palácio do Planalto.

Felizmente o país vive um momento de tranquilidade econômica. Está crescendo pouco, mas o desemprego está baixo. A indústria vem se recuperando, conforme o previsto, de maneira formidável neste segundo semestre. O agronegócio continua batendo recordes, juntamente com a popularidade e a aprovação da presidente e seu governo.

Mesmo as perspectivas de que o mensalão traria prejuízos eleitorais ao PT não se confirmaram. Os colunistas políticos da direita continuam na torcida, e interpretando os fatos a seu bel prazer, mas a realidade é que a base aliada deverá iniciar o ano que vem chefiando a maioria das cidades brasileiras. O PT pode sair menor em número de capitais, mas compensará nas cidades médias e pequenas. Elegendo mais vereadores este ano, a esquerda vai eleger mais deputados estaduais e federais em 2014, conforme prevê a literatura da ciência política.

Quanto à eleição presidencial em 2014, uma oscilação para mais ou menos no número de prefeituras não vai interferir em nada.

A derrota da esquerda na guerra da opinião pública em torno do mensalão, por sua vez, nos permite tirar lições importantes.

Em primeiro lugar, não é uma derrota completa. O discurso midiático não detêm mais a hegemonia absoluta. Na blogosfera e nas redes, vemos uma produção considerável de conteúdo crítico acerca do que acontece no julgamento do mensalão. As lideranças partidárias assinaram uma carta denunciando a politização do processo. O professor Wanderley Guilherme dos Santos, fundador da ciência política no Brasil, vem se manifestando de maneira muito assertiva. Blogueiros, filósofos, jornalistas, advogados, escritores, cineastas, cidadãos de todas as profissões, idades e cores vem se posicionando de forma muito crítica em relação à maneira como o STF conduz o julgamento.

Outra afirmação deliciosa, e carregada de ironia, do grande Blaise Pascal, era que “o povo tem opiniões muito sadias”. Daí o filósofo enumera alguns preconceitos do vulgo que, em verdade acabam por se revelar salutares para o bem da ordem pública. Acho que podemos aplicar o caso aqui também. O povo tem um espírito acusador, inquisitorial. Ele é naturalmente crítico ao poder, apesar da admiração que tem por alguns líderes. Ele se compraz em assistir os juízes acusando e prendendo os grandalhões. Com certeza, diria Pascal, há um bocado de sabedoria nessa tendência popular. É uma maneira de instilar um pouco de medo nos poderosos. A história é repleta de revoluções, nas quais aristocratas, príncipes e rainhas perderam suas cabeças.

No caso do mensalão, não adianta criticar a volúpia do povo (e como povo, incluo também amplos setores da classe média) com o suplício moral e político dos réus. O povo não tem preconceito partidário. Se os réus fossem do PSDB ou DEM, ele se deleitaria da mesma forma. Quem tem preconceito partidário são os barões da mídia e alas conservadoras do Ministério Público e do Supremo.

A volúpia de assistir a derrocada (mesmo que injusta) dos poderosos é um deleite bastante democrático e, como diria Pascal, saudável.

A esquerda, e o PT em particular, sairão bastante feridos desse julgamento. Porém mais fortes, mais conscientes dos perigos que rondam a democracia, mais treinados para a guerra.

Uma das razões pelas quais a direita brasileira é tão débil, e tem declinado tanto nos últimos anos, é porque a mídia e as elites a mimam despudoradamente. Com isso, a direita se desacostumou a lutar. Com a mídia lhe apoiando, não correu atrás de movimentos sociais, sindicatos, não constrói bases populares, não cria mídias alternativas.

Enquanto isso, a esquerda, mesmo tendo alcançado o poder, continua exercitando-se diariamente nos campos de batalha da comunicação social. Apanhando todo dia, ela desenvolveu couraças especiais e novas armas. Entre no blog da Veja: verá um bando de puxa-sacos soltando gritinhos, incapazes de participar de um embate político em alto nível. Entre no blog do Nassif, verá centenas, milhares de comentaristas publicando textos analíticos sérios, tentando entender o mundo e a política de maneira criativa e inteligente.

Atacada por mídia e judiciário conservador, à esquerda só resta apostar na força eleitoral.

No Legislativo, os deputados poderão, em futuro próximo, ampliar o STF, dando-lhe um perfil mais democrático, com a introdução de juízes escolhidos diretamente pelo Congresso ou melhor ainda, pelo sufrágio universal.

A cada ano que passa, vemos a direita mais dependente de um poder em declínio: a mídia. A esquerda, por sua vez, atacada pelas corporações midiáticas, cresce nas redes, adere à blogosfera e se capacita para a luta política e ideológica na ágora pública da internet.

Por fim, o STF sairá do julgamento do mensalão com a mancha de golpista e partidário, e estará, com isso, sob forte pressão de setores populares e classe política. Não vemos manifestações agora porque as arbitrariedades do STF não estão interferindo em demasia no dia a dia da política. Mas a partir do momento que o povo perceber movimentos mais explícitos do STF para prejudicar a presidente, ou as eleições presidenciais, não será difícil prever a explosão da panela.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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