DaMatta não sujou a mão de óleo

O antropólogo Roberto DaMatta roda a baiana e declara, em sua coluna de hoje, que “não aceita”. Esse é o título de seu artigo:

É um chilique highsociety do início ao fim, daqueles cheios de pose, ao estilo Cansei. À imaginação, vêm cenas de um coquetel regado a champagne e lagostas, com madames indignadas vociferando impropérios contra a degeneração moral do país. Há tempos, nosso respeitado acadêmico dá mostras do que chamarei, à falta de outro termo, de senilidade midiática. O sujeito fica velho, quer levar uma vida mansa, então passa a escrever artigos reacionários para a grande imprensa, faturando em cima de seu passado. Damatta, Gullar, João Ubaldo, Nelson Motta. Até o Bucci está entrando nessa. É moleza. Basta sentar a mamona no PT.

O problema desse pessoal é que eles não sujam a mão de óleo. O governo, os empresários, a imprensa, as elites, a classe média, e até mesmo as classes baixas, todos merecem ser postos sob o escrutínio implacável do pensamento esclarecido. Ninguém é inocente. Ninguém é isento. Todo mundo tem que trabalhar mais, com mais qualidade, para ajudar o país enfrentar os desafios gigantes que tem diante de si.

Desafios esses que, é bom lembrar, não tendem a diminuir à proporção que as algumas metas que temos hoje forem sendo cumpridas. Ao contrário. O crescimento de um país, nesse ponto, é como o desenvolvimento do espírito humano. Quanto mais ele adquire conhecimentos, mais consciente ele se torna de sua ignorância, e mais angústias e dores nascem dessa nova consciência.

É como dizia Raul Seixas: “pena eu não ser burro, não sofreria tanto”.

Em termos de política, isso se traduzirá no surgimento de uma geração mais exigente, mais severa, mais crítica, em relação a seus governos, e, consequentemente, eleições cada vez mais apertadas.

Neste sentido, não deixa de surpreender que Dilma mantenha uma popularidade tão alta e tão estável. A tendência natural, após as conquistas sociais estabelecidas por Lula, era um declínio da aprovação governamental, na medida em que a sociedade passasse a fazer exigências mais difíceis de cumprir no curto ou mesmo no médio prazo.

As demandas por um cenário energético mais seguro, por exemplo, é algo que não se resolve de um dia para outro. Assim como refinarias, aeroportos, estradas, novos portos, são mudanças de infra-estrutura que demandam muitos anos para serem concluídas.

Por isso mesmo, caso seja reeleita, o segundo mandato de Dilma será bem melhor do que qualquer outro anterior, seja os de Lula, sejo o seu primeiro. Porque até 2018, ano em que haverá novamente eleições presidenciais, grandes obras de infraestrutura estarão finalmente prontas ou já em produção há alguns anos. As refinarias Abreu Lima, em Pernambuco, e a Comperj, no Rio de Janeiro. A transposição do Rio São Francisco. As novas hidrelétricas. A exploração do pré-sal. O trem-bala. Todas as obras relacionadas à Copa do Mundo e Olimpíadas.

Pode-se dizer que o Brasil vive, hoje, os últimos anos de uma era. O chororô de Damatta, por isso mesmo, com todo o respeito à sua história, é uma manifestação mesquinha, de quem encontra uma estátua de Apolo de cinco metros de altura, num ilha grega, e ao invés de contemplar a grandeza do monumento, vira o rosto com desprezo porque viu uma sujeira entre os dedos dos pés.

É a mesma coisa que estão fazendo agora com a Petrobrás. Naturalmente, a empresa, mais que qualquer outra, merece ser examinada e criticada pela sociedade. As críticas da grande imprensa, no entanto, são contaminadas por um vezo ideológico que as cega. A estatal obteve um lucro líquido de R$ 21 bilhões em 2012! Ok, foi menor que em 2011, mas mesmo assim foi um lucro de R$ 21 bilhões! Dizer que um lucro desse porte corresponde a um “tombo”, ou ainda, como faz o editorial do Estadão, a um “desmonte da Petrobrás”, é um acinte à inteligência da sociedade brasileira.

Criticar é uma coisa, desinformar é outra. Não há desmonte nenhum da Petrobrás. Muito pelo contrário, a empresa continua crescendo. Mais importante: a Petrobrás continua a ser um dos mais importantes esteios econômicos do país.

O lucro caiu para R$ 21 bilhões em 2012 porque a estatal decidiu manter estável o preço da gasolina, ou seja, deu sua contribuição à economia nacional. A Petrobrás foi criada com dinheiro dos brasileiros, pertence aos brasileiros, a troco de que não deveria retribuir, reduzindo um pouco seus lucros e dividendos pagos a acionistas de Nova York?

O que importa, e isso a mídia não dá destaque, é que os investimentos da Petrobrás em 2012 não caíram. Ao contrário, subiram em 2012.  Eu separei alguns gráficos que encontrei no Relatório de 2012, publicado há pouco. Comento abaixo de cada tabela.

 

Observe que os investimentos consolidados subiram 16% em 2012, para R$ 84 bilhões, sendo o principal item a exploração e produção.

Vamos ver o resumo financeiro da empresa:

Observe que a receita total de vendas cresceu 15% em 2012, alcançando R$ 281,37 bilhões. O ativo total da empresa subiu 13% no ano passado, para R$ 677,71 bilhões. O patrimônio líquido, por sua vez, cresceu 4%, fechando o ano em R$ 345,43 bilhões.

 

 

O lucro menor da Petrobrás originou-se da maior importação, num centário de crescimento do consumo interno. A estatal tem conseguido manter uma oferta estável, segura, de combustível ao Brasil. Ao absorver a volatilidade do mercado internacional, a estatal dá um fator de competitividade à economia brasileira.

 

A evolução da produção brasileira de petróleo e gás natural tem sido lenta, embora constante. A partir de 2008, houve um relativa estagnação, mas é preciso entender dois fatores:

  1. O petróleo brasileiro, até o momento, é de baixa qualidade. A vantagem do pré-sal é que se trata de um petróleo mais fino, de melhor qualidade. Ou seja, a partir deste ano e dos próximos, estaremos não apenas produzindo mais quantidade de petróleo, mas obtendo um produto mais sofisticado.
  2. O petróleo não é usado apenas para combustível. Na verdade, esse é o uso menos nobre. Ele é usado para a produção de milhares de derivados, inclusive fertilizantes agrícolas.

Aliás, fertilizantes é um tema importante, em vista de abrigarmos, no Brasil, o maior parque agrícola do mundo e sermos quase 100% dependentes de uréia importada, que é um componente fundamental para todo o tipo de adubo. Novamente, a Petrobrás surge para nos salvar.

As obras da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados III (UFN-III), no Mato Grosso do Sul, foram iniciadas. Esta será a maior fábrica de fertilizantes nitrogenados da América Latina e permitirá à Petrobras dobrar a produção nacional de ureia, contribuindo para a redução das importações desse insumo essencial à produção agrícola.

 

O gráfico acima revela uma coisa interessante.  A imprensa tem feito um tremendo estardalhaço com a perda do “valor de mercado” da empresa, na comparação entre seu pico, em 2010 e hoje. Acontece que o valor de mercado é algo volátil por natureza, em virtude da instabilidade do mercado financeiro. O valor patrimonial da empresa, no entanto, não parou de crescer, e já se encontra em R$ 343 bilhões em 2012, maior que o valor de mercado. Isso indica que as ações da Petrobrás estão baratas.

O fato é que os rentistas, assim como Roberto Damatta, “não aceitam”. Não aceitam que a Petrobrás reduza a distribuição de dividendos, mas continue aumentando os investimentos e contribuindo para a economia brasileira. Se eles achavam que adquirir ações da Petrobrás correspondia a ganhar dinheiro fácil, enganaram-se, para o nosso bem. Com a decisão da Petrobrás de reduzir os dividendos pagos aos acionistas privados, o Brasil está usando dinheiro da Bolsa de Nova York para financiar os investimentos em seu território.  Pela primeira vez em séculos, o tubarão está dando comida ao peixinho, ao invés de devorá-lo.

As mãos de Roberto Damatta continuam limpinhas. Afinal, ele pode se dar ao luxo de se perguntar se “não seria o momento de pegar o meu chapéu e (…) desistir do trabalho honesto, beber fel, tornar-me um descrente, aloprar-me, deixar-me tomar pela depressão, desistir de sonhar, aniquilar-me, andar de joelhos, dar um tiro no pé, filiar-me a uma seita de suicidas, mijar sentado, avagabundar-me, virar puxa-saco, fazer da mentira a minha voz; e – eis o sentimento mais triste – deixar de amar, de imaginar, de ambicionar e de acreditar.”

As mãos do povo brasileiro, porém, terminam o expediente cada vez mais sujas, calejadas, fortes. Pela sua cabeça, a pusilanimidade travestida de indignação (além de mal escrita) do antropólogo jamais encontrou guarida. Ele tem de trabalhar duro, sonhar e acreditar. Quanto à política, o cinismo do brasileiro comum é bem mais digno do que o moralismo hipócrita e tendencioso da grande imprensa. Ele conhece a vida, suas injustiças e arbitrariedades. Ele também não as “aceita”; a sua reação, porém, tem surpreendido os colunistas, porque ele está aprendendo a identificar cada vez mais, através do principal instrumento de poder a seu alcance, o voto, quem realmente está a seu lado na luta para superá-las.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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