Distraídos, perderemos

(Segundo o desembargador, as feras da grande mídia tem direito de perseguir blogs)

Eu li atentamente a decisão do desembargador sobre o processo movido pela Folha de São Paulo contra o blog Falhadesaopaulo.com.br, dirigido pelos irmãos Bocchini. É um sofisticado e astuto xarope em prol da violência judicial perpetrada pelo grupo de mídia mais poderoso de São Paulo contra um blog!

O desembargador, naturalmente, não seria louco de bater de frente com a Constituição e escrever uma peça onde se pudesse identificar claramente um atentado à liberdade de expressão. O tempo inteiro, por isso mesmo, ele repete platitudes sobre a liberdade de se fazer paródia, e (até onde eu entendi) tem o bom senso de não dar razão à Folha no pedido (absurdo) de ressarcimento por danos morais.  Seria contraproducente, para o golpe que ele aplicará, transformar os blogueiros em mártires.

Ele ainda deixa claro que o réu poderia abrir outro site com nome parecido. Mas o Falha, esse continua proibido!

Nas redes, alguns vieram dizer que, ao contrário do que os amigos dos Bocchini entenderam, a decisão foi boa. “Ora, abram outro domínio .org e tirem o anúncio da Carta Capital”. Pronto, simples, né.

Não. Não é tão simples.

O título do post é uma paródia a um verso de Paulo Lemniski, que também dá título a seu livro: “Distraídos, venceremos”. É uma tese interesssante, diria até hegeliana. Mesmo sem querer, mudamos o mundo. Ela pode ser invertida, porém. Distraídos, nos lascamos.

Vamos recapitular. Os irmãos Bocchini foram constrangidos, intimidados, por mais de dois anos, pelo grupo de mídia mais poderoso de São Paulo. Poderoso financeira e politicamente. Segundo dados da Secom, o portal UOL – pertencente ao grupo Folha – recebe 16% de toda a verba publicitária do governo federal.

E agora, eles tem que ficar satisfeitos com uma decisão que mantém seu blog fechado porque o desembargador, baseado num longínquo precedente da Corte norte-americana (sic), entendeu que o fato de haver um anúncio da Carta Capital o criminaliza?

Nada de mal haveria, como visto, se o usuário encontrasse, exclusivamente, conteúdo crítico no website – exercício do direito de livre manifestaçâo do pensamento, criaçâo, expressâo e inforrnaçäo que, por ser comercialmente desinteressado, fica imune à do titular da marca. Mas há no website do réu, também, conteúdo comercial, pelo qual o usuário, seja pelo link, seja pelo sorteio da assinatura da revista, é direcionado, relembrado, ou apresentado a veículo de comunicaçäo concorrente da autora.

(…)Corte Distrital dos Estados Unidos, Distrito Oeste de Nova York, ordenou a interrupçâo das atividades de um website parodiando o jornal The Buffalo News porque, além do oonteúdo critico, o site exibia link direcionando o usuário para um serviço de classificados de imóveis, o que caracterizava concorrência ao jornal, que também oferecia este tipo de serviço.

Ora, isso foi um subterfúgio. Assim é fácil. Não tem precedente aqui no Brasil, manda a secretária catar alguma coisa na Corte americana. Tudo para suprir a minha falta de coragem para tomar uma decisão baseada nas circunstâncias de aqui, agora, 2013, e não em Ohio, EUA, 1967!

Para piorar, a decisão é recheada de ofensas de caráter puramente subjetivo ao estilo do blog do réu:

Apesar do viés político, e de certa dose de mau gosto, o discurso do réu circunscreve-se nos limites da paródia (…)

Apesar do viés político? Ora, se se trata de um blog de paródia política, é claro que ele tem um “viés político”, e isso é uma virtude e não um defeito! Não tem nada de “apesar”!

A coisa só piora. Leiam esse trecho:

Existe, é verdade, grande carga de chauvinismo político-partidário [no blog]. Embora procure denunciar, a todo tempo, a preferência do jomal da autora por determinado partido politico, o que o réu revela claramente é a sua preferência pelo partido politico incumbente e a respectiva candidata na eleiçäo presidencial de 2010.

Chauvinismo partidário? O desembargador está usando uma peça judiciária para fazer uma crítica totalmente subjetiva, e sempre ofensiva, a um blog de paródia! E defendendo a Folha, claro! A Folha não é chauvinista, nem partidária? E ainda tem o desplante de supor a candidata (repare que ele fala candidata, ou seja, Dilma) do autor nas eleições de 2010. Ou seja, o blog é de mau gosto e chauvinista e a prova é que o autor (supõe-se) apoiou a candidatura de Dilma Rousseff. Só faltou, aliás, ele condenar a própria Dilma usando a teoria do domínio do fato!

É assim, com manobras judiciárias, que seremos cada vez mais golpeados. Distraídos, perderemos!

Em primeiro lugar, o blog não era da Carta Capital, nem devia ganhar nada com o anúncio. Mesmo se ganhasse, e daí?

Se eu faço uma paródia do Globo, fico automaticamente proibido de anunciar qualquer outra empresa jornalística? Não faz sentido. É uma agressão ainda mais grave à liberdade de expressão, porque a ela se soma uma agressão à minha liberdade comercial.

Uma paródia política sempre estará alinhada um determinado campo político, no qual encontraremos jornais, revistas, blogs e empresas. Se eu faço uma sátira a um determinado grupo de mídia, é porque eu sou crítico àquele grupo e, logo, sou ligado a todo o campo político crítico àquele grupo. E vou anunciar os jornais, revistas e sites que eu gosto. Criminalizar algo tão natural e democrático é mais um passo da criminalização da política.

Parece até piada: o blog Falhadesaopaulo foi xingado por supostamente (!) apoiar Dilma Rousseff nas eleições de 2010, e criminalizado por querer ajudar a Carta Capital!

Ora, os blogs da direita que fazem sátiras, charges, ou mesmo agressões puras a seus adversários, serão condenados porque exibem, em seu espaço, anúncios da revista Veja?

Por onde se olha não tem sentido. Até porque, por exemplo, o sistema de publicidade predominante no mundo virtual é o de anúncios rotativos, como o Adsense do Google. Você nem consegue controlar direito que anúncios aparecem no seu blog. Nenhum blog de paródia jamais poderá usar o Adsense!

E aí aparecem cidadãos dizendo que os irmãos estão chorando à tôa? Ora, se o filho não serve, mate a criança e tenha outro, com outro nome! E nunca mais chegue perto da Carta Capital! Não sei quem faz mais sucesso no inferno: o burro bem intencionado ou o inocente útil.

O desembargador alega o seguinte:

A revista semanal Carta Capital é concorrente da autora no mercado jornalístico, com ela disputando leitores, assinantes (…)

Ora, nesse sentido o Cafezinho também é concorrente da Folha! O Granma também!

O desembargador encontrou um pretexto para se curvar ao mais forte. Ele agiu contra a Justiça. Foi pusilânime. A sua função, como magistrado, era fazer o contrário. Era ser um contrapeso a selvageria natural do capitalismo e proteger a liberdade de expressão do lado mais fraco, no caso os irmãos Bocchini, que pediram, com toda razão, reparação por danos morais.

Não prospera, por outro lado, o pedido contraposto de reparaçäo por dano moral formulado pelo réu, com fundamento na “indevida exposiçäo de sua imagem” provocada pela “censura disfarçada” buscada pela autora na presente (fls.123/126). O exercício do direito de (e as decisöes judiciais que o acompanham), salvo nos casos de evidente Iide temerária, näo caracteriza ato ilícito, sendo, ao contrário, exercício regular de direito.

Naturalmente! O leão tem todo o direito de matar a gazela! O caso aqui, porém, não é a lei da selva. Os irmãos Bocchini foram aterrorizados judicialmente, com ameaças feitas na forma de multas altíssimas, que eles não teriam condições de pagar. Não só eles: toda a blogosfera ficou intimidada. A Folha abusou de seu poder econômico para promover, sim, censura, e a Justiça brasileira, mais uma vez, se curvou ao arbítrio!

Há setores da mídia e da política que só gostam mesmo é de blogueiros dissidentes de Cuba. Os do Brasil, a gente mata e esfola!

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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